"Tortos" Humanos
Pedro Brás Marques
Após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 perpetrados pela Al-Qaeda, os EUA trataram de arranjar culpados a toda a força, numa clara tentativa de expiação. Activaram os seus meios militares e de espionagem e começaram, então, a varrer o Mundo à procura de indivíduos com ligações à organização terrorista. Os que não eram abatidos, tinham como destino o campo de concentração de Guantánamo, em Cuba, onde os Direitos Humanos pura e simplesmente não existiam. Ali estiveram perto de oito centenas de prisioneiros, dos quais a esmagadora maioria acabou libertada e ilibada, ficando livres e sem qualquer acusação. É o caso de Mohamedou Ould Slahi, um cidadão mauritano, que ali passou catorze anos de vida, tendo sido torturado de todas as formas e feitios, sem que fosse acusado de qualquer crime. <br /><br />“The Mauritanian” conta a sua história. Detido no país Natal, porque teve contactos circunstanciais com membros da Al-Queda, atravessou um calvário de sofrimentos que teve como única luz de esperança as advogadas Nancy Hollander e Teri Duncan, a trabalharem pro-bono no caso e que invocaram todos os argumentos legais para que tivesse acesso à mais elementar justiça que um país democrático pode garantir e não a algo mais próximo dum regime ditatorial. Conseguem, especificamente, que os prisioneiros tenham direito a peticionar o instituto jurídico do ‘habeas corpus’, com vista a questionar a detenção sob abuso de poder. Pior, ainda, é a percepção de que há provas fabricadas e imputações falsas apenas e só para se obter uma condenação. Aliás, a monstruosidade é tal que o próprio acusador, o coronel Stuart Couch, escolhido pelo seu brilhantismo, se afasta do processo. <br /><br />Baseado no livro “Diário de Guantánamo”, do próprio Mohamedou Ould Slahi, o filme ilustra o arco temporal em que ele esteve preso e as provações por que passou e não parece que tivesse outra pretensão. É pena, porque com a presença de actores do calibre de Jodie Foster, Benedict Cumberbatch e Tahar Rahim, havia a possibilidade de se conseguir uma obra que emergisse para lá da linear narrativa dos factos. O actor francês, que começou o ano em grande na série “A Serpente” (Netflix), segura a interpretação com firmeza, fugindo a um registo cabotino, típico de muitas interpretações de personagens mergulhadas em situações semelhantes. <br />“The Mauritanian” vale, por isso, essencialmente como um alerta para que as traves mestras da nossa civilização não possam ser adulteradas, por muito forte que seja o motivo, sob pena da integridade do sistema acabar por ruir.
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