Nightmare Alley - Beco das Almas Perdidas
Título Original
Nightmare Alley
Realizado por
Elenco
Sinopse
Críticas Ípsilon
O carnaval de almas de Guillermo del Toro
O autor de A Forma da Água e O Labirinto do Fauno mergulha na América pré-Segunda Guerra Mundial, num jogo de duas partes onde só uma convence verdadeiramente.
Ler maisCríticas dos leitores
Small-time, big-time
Nazaré
Guillermo del Toro, realizador e argumentista, tem uma tendência para nos submergir em ambientes sombrios, mais ou menos fechados, numa experiência sempre intensa e por vezes intimidativa. Nesta fita grandiosa, com argumento adaptado que nos transporta para os States dos finais dos anos 30 sem esconder a miséria dos que apenas sobreviviam, continuamos nesse tipo de sensação. Contando com uma galeria notável de actores e actrizes (onde destaco o cada vez melhor Bradley Cooper e a presença avassaladora de Cate Blanchett), sai-nos uma obra realmente imersiva, com uma nota de moralismo que é especialmente adequada para aquele lugar puritano e aquele tempo (marcado por alusões longínquas à II Guerra, ainda sem os norte-americanos a intervirem) saído da Lei Seca e da Grande Depressão. O diálogo entre o mentalista e a psicóloga é, para mim, o momento supremo desta fita.
Quanto ao fio condutor da "ascensão e queda" do protagonista, será mesmo que, inconscientemente, ele apenas tenta desconbrir-se a si mesmo, e a que ponto consegue chegar até deitar tudo a perder? Alguns dirão que não passa de mais uma história de ganância, de emergir do small-time de ambientes de miséria, mas, pela tónica psicológica do argumento, pode duvidar-se que seja só isso. Apesar do moralismo, é uma excelente experiência cinematográfica, um dos melhores filmes que se vê por aí.
O fundo da alma
Pedro Brás Marques
Quando deparamos com o nome de Guillermo del Toro, ficamos imediatamente à espera duma história que convide o espectador a deslumbrar-se num mundo fantástico, povoado por criaturas horrendas mas de bom coração, de seres humanos belos mas malévolos, de cenários grandiosos e assustadores, tudo isto enquadrado em ambientes escuros, que a luz tem dificuldade em rasgar…
“O Beco das Almas Perdidas” não foge à regra, jogando com os limites do realismo, circunscrevendo-se ao maior viveiro conhecido de monstros: a alma humana. Estamos em 1939 e conhecemos logo Stan Carlisle, a figura central desta história, que rapidamente se percebe ser um extraordinário burlão. Em busca de trabalho, arranja emprego num circo ambulante, um “freak show” onde as atracções são aberrações e deformados, mas onde há espaço para enganar incautos com mágicos, “médiuns” e videntes. É aqui que Stan entra, com a sua capacidade inata de “ler” as pessoas, que acaba por desenvolver graças a uns colegas de profissão que tinham aperfeiçoado um método infalível de obter informação “invisível” das vítimas. Apesar do aviso de que o uso do livro levaria à tragédia, com a sua apaixonada Molly, que recruta no circo, Stan abandona a itinerância campestre e vai para a grande cidade, onde se torna uma estrela, brilhando em recintos sofisticados. Uma vez aqui, é abordado por clientes cada vez mais ricos, que lhe exigem contactos com o Além. Stan acaba por se envolver com uma psicóloga, Lillith, que lhe fornece informações dos clientes, em especial de um, extraordinariamente rico, que pretende voltar a falar com a filha há muito falecida. Mas nem tudo corre como o previsto…
Portanto, não estamos no habitual domínio do fantástico, como é usual no realizador mexicano, mas isso não o impede de construir cenários que, tal como a acção de Stan, também nos enganam, escondendo a realidade através duma notável prestidigitação visual e narrativa, com ecos sombrios na personalidade e no destino das personagens. Todo o filme decorre de noite ou em interiores, com uso recorrente da contra-luz e duma iluminação cuidada e intencional para acentuar o clima paranormal que perpassa “O Beco das Almas Perdidas”, um remake do filme homónimo de 1947. Ou seja, tal como “Hellboy” era um filme sobre um monstro mas ao serviço da Lei ou “A Forma da Água” não era de terror mas uma história romântica, também aqui Del Toro “engana” o espectador, qual prestidigitador, mostrando-lhe algo apenas para lhe distrair a atenção, sempre em crescendo até se chegar ao final mencionado no título. Se a dinâmica da trama está primorosamente gerida, num crescendo lento e sereno mas imparável, a verdade é que o deslumbramento vai mesmo para a “mise-en-scene”, onde todos os detalhes são importantes. Visualmente, a parte rústica evoca a efémera série “Carnivàle”, enquanto a urbana faz lembrar Tim Burton na grandiosidade terrífica dos edifícios e na complexidade dos mesmos, incluindo os seus labirínticos jardins, sempre prenunciando a existência do Mal - tal como o consultório de Lillith, num maravilhoso mas perturbador estilo art-deco. Ah! Sumptuoso, o guarda-roupa do luso-canadiano Luís Sequeira.
Bradley Cooper interpreta Stan no que é um dos melhores papéis da sua carreira. Uma personagem complexa, com um arco de desenvolvimento lato, que vai desde o humilde e faminto a pedir emprego até ao senhor dos palcos, aplaudido pelas pessoas mais importantes da cidade. O actor consegue transmitir não só a malícia subtil inerente à personagem, como a ganância que progressivamente o invade. A gélida Lillith é desempenhada por Cate Blanchett, uma loira fatal, maléfica e determinada, enquanto a doce e morena Molly foi entregue a Rooney Mara. Um naipe assinalável de excelentes secundários, como Tony Colette, Willem Dafoe, Richard Jenkins e David Strathairn, entre outros, dão o devido acompanhamento.
Uma história negra, sobre as consequências de se atravessarem certas fronteiras. Uma vez do lado de lá, pode não haver regresso…
3 estrelas
José Miguel Costa
O realizador mexicano Guilermo Del Toro está de volta aos ecrãs de cinema com Nightmare Alley, mais uma fábula burlesca (desta feita também com uns pozinhos de filme noir) povoada por uma constelação de mega-estrelas de Hollywood (Cate Blanchett, Willen Dafoe, Bradley Cooper, Rooney Mara, Toni Collette e Ron Perlman).
Todavia, a robustez financeira desta produção (a meca do cinema abriu-lhe mesmo os cordões à bolsa) não se faz sentir apenas ao nível do elenco, mas, igualmente, na opulência da direção artistica (Del Toro esmerou-se na recriação das atmosferas de degradação e luxo da Chicago de 1940, misturando, como tão bem sabe, realidade e sobrenatural).
Através de uma divisão entre dois cenários espácio-temporais seguimos a trajectória de um enigmático anti-herói em fuga, quiçá de si próprio (desconhecemos o seu passado e motivações, mas desconfiamos não ser boa rês, dado que no prólogo do filme vimo-lo a incendiar uma casa com um sujeito no seu interior), encarnado por um magnifico Bradley Cooper (sim, eu verbalizei mesmo isto!).
A acção inicia-se numa decrépita feira popular itinerante, à qual Ele chega por mero acaso e a cujas gentes acabará por juntar-se temporariamente, à falta de melhor.
No entanto, tal opção acabará por revelar-se certeira, já que aí aprenderá as artes do esoterismo e da banha da cobra, que mais tarde irão abrir-lhe as portas de acesso à alta sociedade, que tanto ambiciona atingir sem "olhar a quaisquer meios" (nem que seja aliando-se cegamente a uma maléfica psiquiatra - interpretada por uma transcendente femme fatale, Cate Blanchett-, em detrimento da sua amada, com o objectivo de extorquir velhinhos milionários).
É uma obra que encanta pela "parra", mas a cujas "uvas" falta sumo (talvez alguma da crueza e mistério que caracterizavam "Cronos" e "O Labirinto de Fauno" e que que o tornaram num cineasta de culto), retirando, desse modo, alguma força a esta metáfora sobre a Imoralidade civilizacional.
Acresce um subdesenvolvimento de outras personagens que não as protagonistas (Cooper e Blanchett), desaproveitando imperdoavelmente a grande safra que tinha ali à mão de semear.
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