Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo
Título Original
Realizado por
Elenco
Sinopse
Uma comédia negra realizada pelo romeno por Radu Jude, que acompanha Angela Raducani (Ilinca Manolache), enquanto percorre de carro a cidade de Bucareste para fazer um vídeo sobre a segurança no local de trabalho, encomendado por uma multinacional. Nesse trajecto, ela depara-se com uma série de situações absurdas que ocorrem durante o que parece ser o fim do mundo.
“Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo” estreou-se na competição principal do Festival de Cinema de Locarno de 2023, onde recebeu o Prémio Especial do Júri, e foi exibido nos festivais de Cinema de Toronto e de Nova Iorque. PÚBLICO
Críticas Ípsilon
Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo é um dos filmes do ano
Contra o capitalismo selvagem e a uberização do trabalho, Radu Jude monta um imponente e hilariante monumento metaficcional que ergue um espelho ao mundo em que vivemos.
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4 estrelas
José Miguel Costa
A cinematografia romena indie, por norma adepta do realismo social com génese de denúncia política, é uma das mais interessantes da actualidade. Fazendo jus a esta fama, em 2021, saltou para as luzes da ribalta um novo realizador, Radu Jude, após conquistar o Urso de Ouro no Festival de Berlim com um verdadeiro óvni, "Má Sorte No Sexo ou Porno Acidental".
Confirmando que não se tratou de sol de pouca dura, ei-lo de novo com "Não Esperes Demasiado Do Fim Do Mundo" (Prémio Especial do Júri no Festival de Locarno). Em comum com os consagrados conterrâneos, possui a veia de feroz crítico social e politico.
No entanto, ao invés do tradicional método observacional/expositivo da generalidade dos colegas, opta por ironizar a(s) hipocrisia(s) regime do país natal através de caóticas/fervilhantes comédias negras e cínicas, que roçam o nonsense, devido ao uso da caricatura radical, bem como pelo insano e desconcertante processo de montagem.
A obra, que incide sobre temáticas diversas (a fragilidade da economia romena, dependente dos ditames da U.E.; a insensibilidade dos tubarões do mundo empresarial; a xenofobia; e a utilização das redes sociais como meio de escapismo/difusão de ódios), tem a sua narrativa divida em dois capítulos dispares (inclusive, no que concerne às técnicas de filmagem).
Na primeira parte (130 minutos), numa espécie de road movie pelos decadentes subúrbios de Bucareste, filmado num preto e branco granuloso, seguimos o ziguezaguear ininterrupto levado a cabo por uma explorada assistente de produção para obter testemunhos de vitimas de acidentes de trabalho causados por inexistência de medidas de segurança nas respectivas empresas, com objectivo da sua agência de publicidade escolher o "caso-modelo" a utilizar num anúncio institucional sobre segurança no trabalho.
Periodicamente são introduzidos curtos sketches a cores, referentes a um filme em película da era Ceausescu (com o intuito de comparar as duas realidades temporais) e a publicações do TikTok da protagonista (nas quais assume um alter ego masculino que vomita insultos racistas e misóginos). No segundo acto (35 minutos), filmado em formato digital colorido, e num take único captado em plano fixo, acompanhamos o patético processo de criação do vídeo com a família escolhida.
Somente não estamos perante uma obra-prima porque o realizador foi contido nos cortes aquando da montagem do filme. Até percebo que o recurso à repetição exaustiva seja um quase recurso estilístico para reforçar o cariz absurdo das situações expostas, mas mesmo assim ... (há necessidade de filmar, durante 5 minutos, as cruzes de beira de estrada que sinalizam vitimas de acidentes rodoviários?!).
Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo - Radu Jude
Carlos Augusto Ribeiro
A vida da jovem Ângela Raducani é entrecortada com a história de uma outra mulher, com o mesmo nome, motorista de táxi nos anos 80. Dois momentos históricos distintos: o fim próximo do Comunismo (anos 80) e o actual capitalismo globalizado. Porém, com muitas continuidades: a crueldade no quotidiano; a mentalidade machista e preconceituosa contra a mulher emancipada.
No período pós-comunista, o nível de sinistralidade automóvel é elevado. Uma das estradas é ladeada por centenas de memoriais, improvisados, em vários estados de conservação, dos que nela ficaram para trás, atirados para as bermas. Alega-se que o fenómeno é a consequência de uma generalizada atitude de transgressão sistemática das regras de trânsito e de segurança. No entanto, muitas destas transgressões fatais derivam, de facto, das condições de sobre-exploração laboral vigentes.
Sujeita a uma sobrecarga horária (com 12 a 16 horas de trabalho), mal remunerada (e com salário em atraso), quase sem vida privada, a jovem Ângela conduz dia e noite, no limite da exaustão física e psicológica, suportando, com algum estoicismo, as incessantes buzinadelas e insultos de automobilistas, masculinos, impacientes e agressivos.
Por temer vir a perecer num acidente viário, protesta contra as tarefas adicionais diárias. As respostas dos superiores são, invariavelmente, desdenhosas e trocistas. Apesar dos riscos para a sua própria saúde e integridade física e mental, ela aceita as condições desumanas. Segue em frente. Sempre com o mesmo sentimento de estar mais atrasada do que julga, ela parece – tal como um frenético hamster – incansável.
Ela colabora com a equipa de filmagem da Forbidden Planet que realiza uma série televisiva sobre vítimas de acidentes de trabalho, encomendada por uma empresa austríaca. O foco da dita série não é a verdade factual, mas o doseamento conveniente de informação, sentimentalismo, divertimento e propaganda.
O registo de cada testemunho é manipulado, suprimido e deturpado, em todas as etapas do processo. O entrevistado é coagido a omitir e falsificar o seu relato do acidente, para que a empresa austríaca não venha a ter eventuais litígios com a fábrica, judicialmente processada pelo entrevistado.
A troco de uma modesta quantia, dá-se uma conversão espectacular: a vítima é escolhida para assumir, implícita e involuntariamente, a responsabilidade pelo acidente – sacrificando-se em prol da impunidade de uma fábrica, muito lucrativa, com absurdas regras de protecção e segurança laboral, prolongadas do interior para o exterior de um edifício fabril, degradado.
Importa apenas a mensagem positiva: a de que o culpado à força se converte em mensageiro de boas práticas, próprias de uma sociedade avançada.
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