Expectativas frustradas
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
A minha expectativa de uma abordagem estilo "Full Metal Jacket" (Stanley Kubrick, 1987) saiu completamente defraudada com "Jarhead". A adaptação de Sam Mendes da autobiografia de Anthony Swofford sobre a Guerra do Golfo surge mais como um exercício estilístico, de inegável beleza graças à fotografia de Roger Deakins, do que como uma história. Somos levados a acompanhar a transformação do marine - "jarhead" - Swofford (Jake Gyllenhaal) numa máquina de matar, na companhia do colega Troy (Peter Sarsgaard) e sob a liderança do Sargento Sykes (Jamie Foxx). Desde a humilhação e despersonalização do seu treino como atirador, até à agonia, ansiedade, medo e angústia quando, chegados ao deserto, em vez de guerra tem uma espera entediante na retaguarda.<BR/><BR/>E assim temos o quotidiano previsível da companhia nas dunas, enquanto tentam ocupar o seu tempo e procuram algo onde possam descarregar a arma. Afinal de contas é isso que justifica o terem-se alistado, é disso que precisam para serem heróis. As suas expectativas - alimentadas à conta de filmes - saem completamente frustradas, dando a impressão de que a preparação para a guerra pode ser tão traumática como a própria guerra.<BR/><BR/>Mas o grande risco de filmar o tédio é... enfim... o próprio tédio... E eventualmente, o aborrecimento das personagens acaba por se transpor ao espectador, que, até ao fim, continuará à espera de uma história que prendesse e que valesse a pena ser contada. Talvez o filme se salvasse com uma espectacular cena de guerra à moda antiga. Mas nem isso.<BR/><BR/>Apesar de bem representado, a "backstory" das personagens é mínima, e ficamos sem perceber quais as suas motivações. Mendes contou com o carisma de Gyllenhaal, que, apesar de uma personagem quase linear, é convincente no riso, no choro, na raiva, na cobardia. Sarsgaard, como sempre, sem falhas, assim como Jamie Foxx. No entanto, já vimos toda esta gente antes, uns motivados pelo patriotismo, outros pela adrenalina, outros pela falta de alternativas, mas nada de novo.<BR/><BR/>Existe algum mérito no carácter apolítico e imparcial da obra. E não se põe em dúvida o realismo da mesma. Mas nem tudo o que é real merece a passagem ao cinema. Contudo, a forma ambígua com que tudo é apresentado, mais do que transparecer a vontade de não fazer julgamentos entre o bem e o mal, ou entre guerra e paz, parece ser apenas uma forma de não fazer inimigos - e pelos valores de venda do livro vê-se que a opção politicamente correcta traz os seus frutos. A ironia, que podia ser uma arma eficaz neste caso, é pouca e mal usada, e as verdades são tão evidentes que a sua afirmação não passa de cliché.<BR/><BR/>A tentativa de Mendes de fazer um filme diferente foi bem sucedida. Mas diferente não quer dizer bom. E a sua preocupação com a forma e o visual não chega para compensar a falta de sentido de "Jarhead". No final, a memória cumprirá o seu papel, esquecendo-se deste filme no panteão dos filmes de guerra. E que pena me dá, porque confesso que o "American Beauty" ainda é uma das minhas referências.<BR/><BR/>A melhor imagem do filme (e estou a tentar abstrair-me do torso nu de Gyllenhaal) é, sem dúvida, os soldados americanos cegados pelo petróleo. Um símbolo demasiado real para ser ignorado.
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