É um dos mais polémicos filmes franceses dos últimos tempos: "L'Humanité", de Bruno Dumont. Literalmente, para amar ou/e odiar, como foi o caso. Foi "um caso". Para se ter uma ideia, a conjunção entre a Palma de Ouro de Cannes 1999, a "Rosetta", dos belgas irmãos Dardenne, e o Grande Prémio do Júri a "L'Humanité" - mais uma menção especial a dois intérpretes - foi recebida como um "golpe de Estado" e os filmes deram azo a polémicas sobre os caminhos do "cinema de autor" europeu, a função dos festivais (não deveriam ser para premiar objectos "radicais", protestaram alguns) e à - gasta - oposição entre "indústria" (americana) e "autores" (europeus). No caso particular de "L'Humanité", este foi posto nos píncaros e coberto de ridículo. Um extremo e outro estão no filme, onde se evidencia algo de original em progressão que se expõe com ousadia. O ecrã abre-se em "scope" para a história de um homem, um polícia de uma cidade do Norte de França, destacado para investigar o assassinato de uma adolescente. Chama-se Pharaon de Winter, perdeu a mulher e a filha e está obcecado com a vizinha, Domino (por quem está apaixonado), e com o namorado dela, Joseph - com eles e com os actos sexuais deles. Pharaon é como um Cristo na terra que absorve a maldade do mundo (a esquerda francesa irritou-se com o misticismo com que Dumont rodeia a matéria e este corpo proletário). É uma espécie de esboço de homem - um grito surdo - que às vezes parece fundir-se com a lama e com a terra, e que nesses moldes constrói a sua espiritualidade. De olhos esbugalhados, "santo idiota", olha como se visse tudo pela primeira vez - mesmo o sexo dos outros -, e é também hipnotizados que ficamos perante esta personagem e esta via sacra. Indiferentes é que não podemos ficar.