Um Dom Quixote de Fato Azul
Ricardo Pereira
Logo nas primeiras cenas de “Embriagado de Amor”, Barry Egan, o personagem de Adam Sandler, é imediatamente revelado como um homem sob pressão. No trabalho, nas relações familiares. No supermercado, ele descobre que comprando determinado produto terá direito a milhares de milhas em viagens aéreas. Carente, liga para um serviço de tele-sexo que encontra nos classificados de um jornal. Fornece seu cartão de crédito e, se a vida já lhe parecia miserável, piora muito mais. Barry vira alvo da chantagem do escroque interpretado pelo actor-fetiche do realizador Paul Thomas Anderson, Philip Seymour Hoffman. Um dos riscos que o filme oferece é o de surpreender desfavoravelmente os fãs de Adam Sandler. Entenda-se: não seria porque o filme é ruim, mas, pelo contrário, porque é bom demais, exigindo muito mais do espectador que o tipo de comédia rasteira, mais do que popular, que o actor costuma fazer. Em “Embriagado de Amor” pode não haver algo tão exótico quanto a chuva de rãs de “Magnolia”, ou a estrutura de histórias que se cruzam (que marca o mesmo filme). Mas os fãs não precisam se preocupar, ele não fez uma comédia romântica como aquelas as quais nos mal acostumamos. O sentimento de estranheza continua presente no enredo, nas imagens, na banda sonora. Anderson continua construindo insólitos personagens – melhores talvez que os próprios roteiros – fazendo-os se constituir no principal elemento de seus filmes. Seu Barry Egan, que Sandler assume e incorpora de forma extraordinária, esconde, por trás de um jeitão tímido e quieto, um tipo desequilibrado e violento que, por sua vez, revela-se um romântico (e terrível) Dom Quixote, vestindo um fato azul em vez de prateada armadura, a proteger sua Dulcinéia – a doce Lena feita por Emily Watson. E o faz dar voltas e voltas em torno de si mesmo, como resume a sequência em que ele se perde pelos labirínticos corredores do prédio da amada.
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