Só amor
Pedro Brás Marques
Um amor de Verão com todos os contornos clássicos do género, que vai desde um cenário que tanto apela a uma doçura bucólica como à curiosidade histórica, que oferece personagens sofisticados envoltos numa paixão dilatada pelo calor da estação. O twist, aqui, é que não se trata nem do amor entre dois adolescentes, antes entre um jovem e um adulto, nem entre um homem e uma mulher, mas entre dois homens. Isso fará alguma diferença? Obviamente que não. <br />A acção situa-se no norte de Itália. Elio vive numa casa recheada de obras de arte, de música e de livros, tudo a que ele se socorre para alimentar a alma. É poliglota, músico multifacetado e um leitor voraz. E só tem 17 anos. Os pais são pessoas claramente acima da média no que a cultura e, até, erudição diz respeito, sendo o pai um reputado arqueólogo que nesse Verão de 1983 resolve convidar um jovem e promissor colega americano, para partilharem uma série de trabalhos. Oliver é diferente de todos os que rodeiam Elio. Tem sentido de humor, é inteligente, extremamente bem-parecido e parece compreende-lo. Mais do que uma obsessiva e possessiva relação como muitas vezes acontece, irrompe entre eles um sentimento mais calmo e plácido, o Amor. E a prova, se tal ainda fosse preciso, dessa pureza está no título do filme, “Chama-me pelo meu nome”, retirado dum diálogo entre eles, em que acabam por pedir um ao outro que troquem de nomes, para que os dois sejam um. <br />As interpretações de Armie Hammer, como Oliver, e principalmente de Timothée Chalamet enquanto Elio são as linhas de força deste filme realizado pelo italiano Luca Guadagnino. A “força” do primeiro em contraste com a “fragilidade” do segundo são os pólos duma trama filmada com segurança e serenidade, mas que vive, ainda, duma série de detalhes que a enriquecem e embelezam. Desde logo, a referência à cultura clássica onde a homossexualidade e, até, a pederastia, tinham uma receptividade diferente da de hoje. A família de Elio é uma emanação dos antigos patrícios romanos, ricos, cultos e de contornos aristocráticos com uma mansão rodeada por um pomar de árvores de fruto, qual jardim das delícias, que proporcionam que Elio e Oliver se refastelam com os suculentos frutos que por ali abundam, numa metáfora óbvia da tentação para o pecado… Aliás, o uso recorrente que fazem dos alperces, por uma vez a roçar até o mau gosto, é demonstrativo da vontade de Guadagnino em fazer ver ao espectador o sentido profundo que quer dar à omnipresença do fruto… <br />Hoje, a homossexualidade ainda não saiu exactamente do armário, mas a sua aceitação é mais do que pacífica, em especial nas novas gerações. É sinal de respeito pela diferença, de abertura e de tolerância, valores que são essenciais para uma convivência social pacífica. E para isso muito contribuem histórias “simples” como esta, onde a relação amorosa não é vista como entre dois homens, mas sim entre dois seres humanos. Daí que o sentido deste argumento assinado por James Ivory seja bem melhor e interessante do que a literalidade da relação entre Elio e Oliver.
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