Cr�nica de Costumes
Ant�nio Merc�s
"Call Girl" constitui-se, em parte, como um retrato quotidiano de Portugal, procurando exibir e denunciar as assimetrias entre o litoral urbanizado e o interior rural e progressivamente mais diversificado e envelhecido.<BR/><BR/>Soraia Chaves desempenha bem o seu papel, muito para al�m daquilo que a opini�o p�blica generalizada j� de si esperaria - os seus atributos f�sicos conjugados com o estatuto de "femme fatale". Encarna bem a personagem de prostituta, no sentido literal e metaf�rico do termo. Particularmente ao n�vel metaf�rico � not�vel o modo como, plenamente consciente da sua situa��o e discurso empregue, esmaga todas as expectativas de um "pobre-diabo" (Nicolau Breyner) que cometeu o erro de a si se afei�oar - atirando-lhe � cara as suas limita��es f�sicas, est�ticas, et�rias e financeiras. F�-lo de forma simultaneamente cruel e sedutora, sem no entanto deixar de ser realista e racional. O modo insinuante como se comporta, bem como a seguran�a da sua postura perante a c�mara acabam por contribuir para uma boa constru��o da personagem que lhe foi destinada.<BR/><BR/>Nicolau Breyner � soberbo como o ing�nuo e bem intencionado pol�tico de prov�ncia. A um primeiro n�vel inabal�vel nas suas convic��es e perante os ideais e obriga��es que considera ter perante as suas gentes, acaba por cair na teia que Soraia maquinalmente lhe monta, sucumbindo aos seus atributos. � quase comovente o modo como a figura do autarca caia - ao fim e ao cabo, aparentemente o seu �nico crime, e fraqueza, foi o de ter-se inapelavelmente apaixonado por uma predadora profissional.<BR/><BR/>Joaquim de Almeida � o vil�o de servi�o, sendo o c�rebro por detr�s de toda a intriga montada de modo a que o autarca ceda �s pretens�es do grupo imobili�rio que ele pr�prio representa. A secura e agudeza do seu discurso, acompanhada pelos sarcasmos cirurgicamente colocados, contribuem para a feliz constru��o deste "sacana implac�vel", que sabe muito bem como se movimentar nos meandros na chantagem e/ou suborno de terceiros em prol dos interesses que lhe s�o confiados.<BR/><BR/>Ivo Canelas surge como o intr�pido jovem pol�cia que tem a necessidade de, para al�m da afirma��o pessoal, fazer algo de significativo dentro da profiss�o que exerce - qual "cavaleiro andante", que tenta fazer justi�a a todo o custo, independentemente dos meios a que recorre. A sua personagem � iconicamente recortada do filme "Reservoir Dogs", de Quentin Tarantino. N�o s� pela �bvia presen�a do cartaz alusivo ao filme, pr�ximo da sua mesa de trabalho, mas tamb�m pelo seu vestu�rio, postura e n�vel de linguagem empregue - com frequente recurso ao registo comummente denominado de "vulgata". Neste campo, creio que peca por excesso de, digamos, "zelo".<BR/><BR/>Jos� Raposo revela-se como uma bela surpresa. Seguro na constru��o da sua personagem, o pol�cia de meia-idade e experiente, funcionando como contraponto ao irrequieto jovem que consigo forma equipa. Oportuno e incisivo no modo como pronuncia os di�logos, bem como atrav�s da sua postura diante da c�mara, cumpre praticamente na perfei��o aquilo que de si era esperado.<BR/><BR/>Maria Jo�o Abreu e Ana Padr�o t�m a seu cabo duas personagens minimamente interessantes, respectivamente como a despeitada (e posteriormente) rejeitada amante do autarca, e a mulher de um vereador assassinado, que tem um problema de toxicodepend�ncia. Contudo, o tempo �til que lhes � destinado no produto final apresentado n�o � suficiente para se tecer coment�rios. Cumprem profissionalmente o que lhes foi exigido. Destaco o beijo (for�ado) que a primeira partilha com Soraia Chaves, t�o inesperado como sensual a uma primeira visualiza��o.<BR/><BR/>Raul Solnado como o t�pico comunista alentejano que, vendo chegar-se ao final da vida, v� igualmente todos os seus ideais, pol�ticos e de vida, desmoronarem-se todos diante de si - quer pela crescente desertifica��o e envelhecimento progressivo do interior alentejano, quer pela morte que se aproxima a passos largos, antevista pela ida (pressup�e-se compulsiva) para um lar - ironicamente baptizado de "Catarina Euf�mia". O seu papel � igualmente demasiado pequeno, no entanto protagoniza dois momentos de humor - particularmente atrav�s do discurso, revelando a sua faceta de "velhote teimoso".<BR/><BR/>No entanto, n�o h� bela sem sen�o. � claramente vis�vel a presen�a dos microfones sobre a cabe�a dos actores em, pelo menos, tr�s cenas (aquelas em que eu me apercebi). Tratam-se de falhas t�cnicas grav�ssimas e que, supostamente, deveriam ter sido detectadas e corrigidas durante o processo de produ��o e montagem. Igualmente incompreens�vel e sem raz�o aparente � a desfocagem de imagem quando Maria (Soraia Chaves) se encontra no elevador do hotel. Outra falha grave, desta feita ao n�vel da contextualiza��o da realidade quotidiana, consiste na coloca��o do funeral de �lvaro Cunhal em 2007, quando o mesmo ocorreu dois anos antes... Ainda acreditei que a narrativa apresentada n�o estaria necessariamente datada de forma precisa, contudo quando vemos um calend�rio de 2007 pregado numa parade durante uma das cenas, n�o � preciso comentarmos mais...<BR/><BR/>Apesar destes percal�os, o resultado salda-se como positivo para Ant�nio-Pedro Vasconcelos, o qual arriscou bastante com esta produ��o. Mas f�-lo bem e de forma oportuna, sem recorrer � f�cil op��o de colocar cenas demasiado expl�citas em termos de nudez da protagonista - tal como j� havia sido anteriormente feito. Defendeu-se assim a si pr�prio e ao seu trabalho, privilegiando antes o poder da sugest�o entrevisto atrav�s de um generoso decote, formas voluptuosas espremidas contra o vestu�rio ou algumas fotos comprometedoras (no caso das cenas de sexo propriamente dito).
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