Uma fábula sobre a ingenuidade
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
Depois de “The Butcher Boy” (1997), Neil Jordan adapta novamente um romance de Pat McCabe, desta feita contando a história de Patrick ‘Kitten’ Braden, na Irlanda/Londres dos anos 70, em plena convulsão social (à semelhança de “The Crying Game”, 1992, mistura também as questões de identidade sexual). “Breakfast on Pluto” é um conto de fadas que começa com um par de melros a conversar enquanto debicam o leite poisado do lado de fora da porta. Deixado à porta da casa de um padre na aldeia irlandesa de Tyreelin, Patrick (Cillian Murphy) é criado por uma mãe adoptiva Ma Braden (Ruth McCabe) que nunca compreendeu o seu gosto por roupas femininas. No final da adolescência, Patrick - já sob o nome de Kitten - parte para Londres em busca da mãe (Eva Birthistle), da qual pouco mais sabe do que as suas parecenças com a actriz Mitzi Gaynor. Na estrada, Kitten conhece uma banda chamada "The Mohawks" e apaixona-se perdidamente pelo vocalista Billy Hatchet (a estrela de rock britânica Gavin Friday). Este primeiro amor, tal como todos os outros, serão apenas um reflexo do que Kitten quer para si própria: ser amada exactamente como nas canções pop, mais concretamente como em “Honey” de Bobby Goldsboro (o título “Breakfast on Pluto” provém da canção “King of the London Buskers”, de Don Partridge).<BR/><BR/>Kitten é ingénua e pura, seduzindo pela sua vulnerabilidade e tornando irresistível querer protegê-la. Os olhos penetrantes de Cillian Murphy também ajudam. Sem se importar se vive ou morre, Kitten acaba por viver uma vida de liberdade, tornando-se até assistente de mágico (Stephen Rea). Mas, mesmo apesar de todos os contratempos, alguns deles bastante violentos, Kitten mostra-se invencível. E nesta sobreposição do pessoal e do político, Kitten mostra-se inabalável, quer na sua identidade quer no seu ódio pela violência. Apesar do excesso de características heróicas acabar por retirar peso dramático à personagem, coloca-nos ainda mais no plano da fantasia, onde a realidade se mostra apenas em breves interlúdios.<BR/><BR/>Cillian Murphy carrega às costas esta história contada em capítulos, como um diário. A sua interpretação é excelente e completamente absorvente, conseguindo ser extremamente feminino sem ser afectado. Ao seu lado está a expressividade subtil de um Liam Neeson e a presença magnética de Brendan Gleeson. Um encontro de Kitten em Londres com Mr. Silky String permite-nos encher os olhos (à falta dos ouvidos) com Bryan Ferry.<BR/><BR/>O que nos fica de Kitten, e um pouco à laia de lição, é todo o seu optimismo, a sua entrega ao amor, incondicional de cada nova vez, onde os sofrimentos passados não corrompem a melhor ingenuidade. E onde, como canta Dusty Springfield em “The windmills of your mind”, a vida é uma ininterrupta roda, onde, em todos os momentos, temos o dever de ser felizes. Nota: 3/5.
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