As cores do silêncio
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/9
Depois de ter representado uma doente em fase terminal em “A Minha Vida Sem Mim”, a actriz Sarah Polley volta a juntar-se a Isabel Coixet para o segundo filme em inglês da realizadora catalã, “La Vida Secreta de las Palabras”. Polley é Hanna, uma mulher introvertida e solitária. Obrigada pelo seu chefe a tirar um mês de férias, Hanna vai trabalhar para uma plataforma petrolífera no Mar do Norte como enfermeira de Josef (Tim Robbins), que sofreu um acidente num incêndio no poço e está acamado. O encontro destas duas pessoas será um ponto de inflexão nas suas vidas, marcadas por segredos que tentam esconder: Hanna procura esquecer o passado através do silêncio, enquanto Josef usa as palavras como forma de sobrepor-se a ele.<BR/><BR/>As palavras são o tema deste filme. E, quem diz palavras, diz silêncio. E muitas vezes um esconde o outro. Mas há um momento em que os diques se rompem, as palavras jorram e diz-se tudo o que se tem guardado. E em que se compreende que umas palavras, as ditas, não substituem as outras, as guardadas.<BR/><BR/>“La Vida Secreta de las Palabras” fala de duas pessoas feridas. Hanna é surda e usa um aparelho auditivo, que muitas vezes lhe serve de arma para se defender dos outros; Josef está temporariamente cego por causa dos ferimentos. Mas as suas incapacidades de comunicação são apenas a ponta do "iceberg" das feridas que guardam no seu interior, e o limite físico (da cama para Josef, da plataforma para Hanna) acaba por ser metáfora do limite que eles próprios se impuseram pelo cinismo.<BR/><BR/>A relação que se desenvolve entre Hanna e Josef, a empatia que se cria entre o seu sofrimento, a sua mútua necessidade de afecto, fará com que aprendam a compreender-se e a aceitar-se, ou seja, a amar-se. A plataforma é um não-lugar, representa um sítio de fuga, mas também um sítio do qual não se pode fugir, e é do confronto com os seus próprios demónios, desse passado que não permite a entrada nem a saída, que surgirá a sua cura.<BR/><BR/>No meio de todos os ruídos (da fábrica, da rua, da plataforma petrolífera), é a palavra, através dos diálogos, que faz mover este filme, ajudada por uma banda sonora onde se destaca a música “Hope There’s Someone” de Antony and the Johnsons. A interpretação de Polley é de uma força desconcertante, metamorfoseando-se entre a doçura e a agressividade, entre a antipatia e a sedução. Ao seu lado, está um irrepreensível Robbins, sustentado quase apenas na sua voz, incutindo à sua personagem a ternura e sentido de humor nas doses certas. O restante elenco é completado com a presença marcante de Julie Christie e Javier Cámara.<BR/><BR/>À excepção do elemento de "voice-over", cuja opção é de um gosto consideravelmente dúbio, Coixet constrói uma atmosfera íntima, triste, poética, angustiante, bela e melancólica, e enche de conteúdo duas personagens misteriosas, intrigantes e comovedoras. Tudo isto sem abusar de sentimentalismos, equilibrando-se entre a emoção e o sorriso, entre a crueldade e a esperança.<BR/><BR/>Através de uma abordagem madura, sincera e profunda das misérias (e algumas virtudes) do ser humano, Isabel Coixet mostra-nos, de novo, as imensas cores das palavras. E, quem diz palavras, diz silêncio.
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