A ilha de Bergman
Fernando Oliveira
Os últimos filmes de Mia Hansen-Løve são filmes à deriva, com personagens também elas à deriva numa narrativa que se prende aos pequenos nadas para melhor contar as alegrias e os dramas que os definem. São personagens olhados com suavidade, com ternura, mesmo quando quase sempre são definidos por uma instabilidade emocional e sentimental. E eu gosto muito desta deriva, desta melancolia que se instala na história. <br />É a Fårö, a ilha onde Ingmar Bergman viveu, que chega um casal de realizadores, Chris e Tony (Vicky Krieps e Tim Roth), para trabalharem nos argumentos dos seus próximos filmes. A ilha “vive” a memória do realizador e o filme fica imerso nessa ambiência de reverência. Enquanto os dois vão deambulando pela ilha e pelos “lugares” de Bergman, percebemos que para Chris é difícil escrever, a mente divaga, a saudade da filha que deixou com a avó; é uma estória sobre o acto de criar, talvez a sombra de Bergman a iniba. Um dia, num passeio com Tony, ela começa a contar-lhe sobre a estória que pretende contar no seu filme; e Hansen-Løve encena o que ela vai contando, um filme dentro do filme: uma mulher e um homem, Amy e Joseph (Mia Wasikowska e Anders Danielsen Lie), reencontram-se na ilha para o casamento de uma amiga comum, tiveram uma relação mas voltam a envolver-se, ela está disposta a abandonar a família, ele não, escolhe partir; é uma estória triste que espelhará o sentir de Chris, angustiante até. Quando o marido de Chris se ausenta por uns dias, Hansen-Løve volta a rodopiar e mostra-nos o último dia de filmagens do filme de Chris, filmou a estória que contava, é a altura das despedidas; a sombra de Bergman continua presente. E, depois, o estória volta ao casal, Tony regressa e traz a filha de ambos… . Os filmes de Mia Hansen-Løve são muitas vezes sobre o quanto cruel pode ser o tempo a passar, a impossibilidade de prendermos um momento, de voltarmos atrás – como na estória contada no filme de Chris; é preciso saber viver cada momento – como o abraço entre a mãe a filha. <br />Mia Hansen-Løve parece tocar ao de leve no seu filme, a realização é discreta, parece haver, lá está, uma deriva formal que sublinha a fragilidade dos seus personagens. Eu gosto muito disso. <br />(em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt")
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