Extermínio
Ricardo Pereira
Boyle realizou com "28 Dias Depois" um trabalho visivelmente barato e pouco ambicioso, que o obrigou a buscar soluções visuais criativas. As imagens mais impressionantes do filme estão nos planos que mostram Londres absolutamente deserta depois da devastação de um vírus fabricado em laboratório. Esse vírus, de características especiais, desperta nos mortais uma raiva incontrolável. Tem efeitos mais psicológicos do que físicos, apesar de deixar as pessoas com um aspecto horrendo. Quem é infectado torna-se como um zombie que ataca furiosamente quem cruza seu caminho. Curiosamente, "28 Dias Depois" também explora um tema que o diretor Danny Boyle já havia estudado em seu trabalho anterior, o regular "The Beach": como as pessoas se comportam numa sociedade sem um governo claramente estabelecido? Será que, na ausência de leis e de autoridades, nós retornaríamos a um estado de primitivismo, ignorando todas as condutas básicas de civilidade às quais já nos acostumámos? Nos dois filmes, a anarquia acaba conduzindo a um "regime" totalitarista e cruel: se, em "The beach", nós víamos um sujeito que era abandonado para morrer no meio da selva, em "28 Dias Depois" vemos a degradação moral de vários personagens que usam a força para conseguir o que querem. Assim, não é coincidência perceber que o roteiro deste filme foi escrito justamente por Alex Garland – autor do livro que deu origem ao projeto estrelado por Leonardo DiCaprio. Aliás, "28 Dias Depois" também procura demonstrar que os seres humanos, em determinadas situações, podem se comportar de forma mais animalesca do que os "zombies devoradores de carne", mas, infelizmente, o roteiro acaba se tornando óbvio demais em sua pregação, impedindo que tiremos nossas próprias conclusões. Mas não pense que, por se concentrar em temas mais sérios, o filme falha como autêntico exemplar do género "terror" – ao contrário: justamente por desenvolver melhor seus personagens, "28 Dias Depois" se torna ainda mais tenso, mantendo o espectador constantemente preocupado com o destino dos protagonistas. Algumas sequências, aliás, nada deixam a desejar em relação ao apavorante "The Night of Living Dead" – com a diferença que, ao contrário do clássico dirigido por George A. Romero, os zombies deste trabalho de Danny Boyle se movem com uma incrível rapidez (o que dá origem a um cena sensacional que se passa no interior de um túnel). Rodado com câmaras digitais (o que confere um tom ainda mais realista e sombrio à trama), este é um "filme de zombies" mais do que apropriado para este novo milénio. Num mundo ameaçado por guerras estúpidas (perdoem-me pelo pleonasmo), epidemias aterrorizantes (como AIDS e SARS) e bandidos cada vez mais cruéis, "28 Dias Depois" acaba funcionando não apenas como "terror", mas também como triste alegoria de nossa realidade atual. Como traço particular da sua filmografia, Boyle também não parece interessado em ser original, uma vez que o material apresentado é mais uma mixagem hábil de elementos já vistos. Se "Pequenos crimes entre amigos" foi uma atualização das clássicas comédias-mistério dos estúdios Ealing, e "Trainspotting" uma dramatização ao estilo da MTV, "28 Dias Depois" reutiliza peças avulsas de "12 Monkeys", de Terry Gilliam, da série britânica "The Day of the Triffids" e do já citado clássico de Romero.
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