A diferença entre viver e estar vivo
Pedro Brás Marques
Quando é morremos? No dia em que o coração deixa de bater ou no dia em que deixamos de ter noção de quem somos? «O Meu Nome é Alice» é sobre isto, sobre a progressiva perda de consciência, de memória, no mergulho irreversível na demência. Aqui, tudo se agudiza porque se trata duma forma rara de Alzheimer, que ataca ainda muito cedo e que, por via das características do paciente, tem uma evolução vertiginosa. <br /> <br />Tudo começa numa situação aparentemente comum, quando Alice, uma brilhante docente universitária, detecta algumas falhas de memória ao dar as suas aulas. Procura aconselhamento médico que acaba por lhe revelar que padece dessa terrível doença degenerativa. Apanhada de choque, tarda em contar à família, até porque se trata de um problema hereditário. Mas acaba por o fazer, encontrando apoio no marido e nos filhos mas ela própria tem consciência daquilo que a espera e prepara-se, dentro do possível. <br /> <br />A grande dor que o espectador partilha com a família é, sem dúvida, o lento desaparecer de Alice enquanto ser humano racional e emocional. No final, ela “ainda será Alice”, como refere o título original, mas todos sabemos que a Alice que fazia parte de nós foi desaparecendo. Mesmo as memórias físicas, como filmes e fotos de família, que ela vê e revê, já não guardam para Alice qualquer utilidade porque já nada lhe dizem. A pessoa vai-se, fica o corpo. <br /> <br />Não sei o que seria este filme sem Julianne Moore. Suavemente, sem atropelos e histerismos, a actriz que, a haver justiça, há muito seria detentora dum Óscar (pelo menos por “Longe do Paraíso”) leva-nos nesta aterrorizadora viagem como se da sua família fossemos. Sabemos o seu estado, sabemos a sua evolução, sabemos quando a memória lhe falha, sentimos a sua dor e a sua angústia por ver a erosão de que as suas memórias são alvo. Só uma grande actriz poderia interpretar de forma magistral este papel, adaptando-se às crescentes dificuldades exigidas pela interpretação. Alguns actores secundários dão o necessário apoio e até uma actriz medíocre como Kristen Stewart consegue chegar aos serviços mínimos. Já o mesmo não se pode dizer da realização, a cargo da dupla Richard Glatzer e Wash Westmoreland, que se limita a seguir as regras do telefilme mas, felizmente, com menos exposição às previsíveis doses de lágrimas… <br /> <br />Aqui está um filme que nos chama para uma discussão interior, que nos faz pensar nos limites da nossa própria existência. Nos tempos cinematográficos que correm, isso já é muito bom. Mas há ainda a interpretação de Julianne Moore, simplesmente antológica. Se não receber o Óscar, é porque Hollywood está pior do que a Alice do filme.
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