Um homem, apanhado entre as dimensões cósmica e pessoal
Pedro Brás Marques
Neil Armstrong. O primeiro ser humano a colocar o pé num corpo celeste que não a Terra. Conquistou imediatamente a imortalidade e ficou com o seu nome gravado a letras de ouro na História da Humanidade. E, no entanto, trocava toda essa glória por poder voltar a ser…feliz. <br />“O Primeiro Homem na Lua” é o biopic do astronauta que deu “um pequeno passo” na Lua mas “um grande passo para a Humanidade”. A narrativa começa cerca de oito anos antes da alunagem, com um acontecimento dramático que jamais irá abandonar Armstrong: a morte de Karen, a filha com dois anos, por via dum tumor cerebral. Depois, é o longo desfilar de conversas, escolhas , hesitações, acertos e fracassos até se desaguar nesse momento incomparável que foi pisar o nosso único satélite, a 20 de Julho de 1969. Mas ao contrário do que se poderia supor, este não é um filme sobre virtudes exacerbadas ou actos balofos de heroísmo. Mais do que uma viagem espacial, “O Primeiro Homem na Lua” constituiu uma viagem ao interior dum homem, às suas angústias e aos seus fantasmas. Os silêncios, quando Armstrong olha para o espaço ou quando hesita antes de pisar solo lunar, são o reflexo dessa fraqueza feita fortaleza, duma amargura transformada em força. E quando, uma vez na Lua, olha à sua volta e se depara com uma estéril e branca paisagem, pára e quase se identifica com ela. Tudo porque não estava completo. O homem que acabava de pisar um novo mundo, trocava toda essa glória por poder voltar a sentir nos seus braços a filha, Karen. A vida, afinal, não é aquilo que os outros projectam para nós e ao qual até aderimos, mas é aquilo que sentimos e que mais ninguém consegue entender, como seres únicos que somos. <br />É nesta construção, na justaposição entre o homem interior e dimensão cósmica que o rodeia, que o filme de Damien Chazelle realmente brilha. Uma luz melancólica, angustiante, até, belíssima, amplificada pelo recurso a grandes planos, onde o “vazio” de Armstong se torna pungente. Para isso também contribuiu a escolha de Ryan Gosling para o papel principal. O actor canadiano interpreta de forma perfeita personagens conturbados, como já provara em “Blue Valentine”, “Drive” ou “Blade Runner 2049”. E volta a fazê-lo na pele de Neil Armstrong, expressando a sua dor interior, silenciosa, em olhares perdidos e silêncios reveladores. Um naipe de secundários acompanham e enobrecem o trabalho de Gosling, em especial Claire “Queen Elizabeth” Foy, mas também Lukas Haas, Ciaran Hinds e Corey Stoll. <br />Uma história diferente, diria até improvável face à dimensão do que está em causa, sobre um pai que chora, silenciosamente e para toda a eternidade, a perda da filha. Armstrong faria tudo para voltar a tê-la, tal qual o fez o seu “colega” Cooper, que viajou no tempo para poder tocar, mais uma vez, na mão da filha Murph, nessa obra extraordinária que dá pelo nome de “Interstellar”. Mas, afinal, o que é que há de especial nas relações entre astronautas e as suas filhas?
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