O Poder do Cão
Título Original
The Power of the Dog
Realizado por
Elenco
Sinopse
Críticas dos leitores
Que filme é este?
Ricardo Abel
Olá, Onde Estão os Senhores Críticos?
Tomás
Fraquezas e forças
Nazaré
Vale a pena ver esta fita, não porque é de cowboys (embora os tenha), não pelo Benedict Cumberbatch (embora seja bom), não pelas múltiplas nomeações para os óscares (embora mereça ganhar um ou outro). É pelo rancho, e como ele marca as personagens. Se é isso que é o poder do cão, que seja, embora ache a ligação algo forçada (ou então não percebi).
Qualquer pessoa dirá: o que impede a agora Mrs. Burbank de tocar uma pianada para as visitas? Treino e capacidade não lhe faltaria, mas noutro local, noutro momento da vida. Os fortes ficam fracos, e os fracos também são fortes. E nisso, esta fita tem originalidade e é brilhante.
O protagonista continua a ser demasiado 'over the top' para o meu gosto, cheira-me que ele precisa do tipo de amadurecimento por que passaram Sean Connery e Anthony Hopkins para igualmente atingir o verdadeiro cume do seu (enorme) talento. É uma delícia rever Kirsten Dunst, mas o anguloso Kodi Smit-McPhee é a mais volumosa (se é que pode dizer-se) surpresa neste cast. Na biografia dele vêem-se prémios e nomeações desde a idade dos 11 anos, não é por acaso.
O óscar que de certeza tem de vir para esta fita é o da melhor música original (Greenwood, e sou só um mero apreciador dos Radiohead).
Denso
Ana Isabel
Perturbador. Desempenho notável da personagem forte e frágil de Kristen Dunst. Boa fotografia.
Cinema de sempre
V. Guerra
Fantástico como Campion filma agora, com a melhor qualidade do cinema de sempre, as imagens, os personagens, as tensões e a narrativa.
Brilhante!
Pedro Brás Marques
“The Power of The Dog” (Netflix) é um filme notável, pela sua complexidade, pela profundidade do argumento, pela forma engenhosa como engana o espectador até perto do final e também por ser um tipo de produto que se afasta das produções típicas do mercado de streaming, onde a quantidade muitas vezes se sobrepõe à qualidade.
Estamos em Montana e, se não fosse um ou outro automóvel, seria impensável acreditar que a acção decorre em 1925. Dois abastados irmãos, Phil e George, conduzem uma enorme manada de gado quando param numa hospedaria, gerida por Rose e pelo filho, Peter, um adolescente frágil e cheio de tiques, que é gozado por todos, em especial pelo auto-confiante e agressivo Phil. Mas o pacato e dócil George acaba por se apaixonar por Rose, pede-a em casamento, ela aceita e passam a viver todos juntos. Phil continua a gozar com Peter e a detestar a cunhada, descobrindo o seu ponto fraco, a bebida. A razão de muita da raiva de Phil prende-se com o facto de ter perdido um amigo, mentor e amante, Bronco Henry. Num ambiente masculino como o dos vaqueiros, a sua agonia cresce e quando repara que Peter o viu nu a tomar banho, Phil muda radicalmente de atitude perante o miúdo, tornando-se como que um orientador e conselheiro de Peter nas artes dos cowboys. Mas nem tudo o que parece é…
Associar vaqueiros a homossexuais evoca, imediatamente, “Brokeback Mountain”, mas isso é enganador. Se há, aqui, referências visuais e temáticas, elas não estão na sexualidade mas nos clássicos. Jane Campion foi lá inspirar-se e o resultado é muito bom. A primeira citação é, obviamente, a de “Red River”, de Hawks, também uma história de confronto entre dois homens, um pai e o seu filho adoptivo, durante a deslocação duma imensa manada bovina. E, claro, seria impossível esquecer John Ford e “A Desaparecida”, em especial a icónica cena em que Ethan sai pela porta da cabana, filmada em contraluz. Jane Campion faz o mesmo em portas, portões e até em janelas, emulando brilhantemente a dualidade entre o dentro e o fora, entre quem entra e quem sai, entre luz e escuridão, entre o Bem e o Mal… Mas se o faz, também joga com o estereótipo do macho-alfa, do duro “Malboro Man”, alertando que, num meio quase exclusivamente masculino, a homossexualidade não seria algo de estranho…
A realizadora neozelandesa nunca foi muito prolífica, apresentando quatro filmes neste século. Mas este “The Power of The Dog” está ao nível de excelência das suas obras maiores como as longínquas “The Piano” e “The Portrait of a Lady”. Desde a fotografia, aproveitando as dramáticas paisagens de Montana, até à direcção de actores, tudo esteve perfeito. Benedict Cumberbatch tem aqui, porventura, a melhor interpretação da sua carreira. Kirsten Dunst também lhe pode agradecer, ao voltar a ter um papel que faz jus à sua excelência, o que já não se via desde que Sofia Coppola a dirigiu em “The Beguilded”. Mas o mais interessante, repete-se, é mesmo o trabalho de Campion, em especial na construção da enorme carga simbólica: Phil muitas vezes filmado dum plano inferior para lhe dar “grandeza”; ou quando está mergulhado na água do rio até aos olhos, qual predador à procura de caça; ou quando está a enfiar um grosso tronco na terra, em movimentos verticais ritmados, enquanto olha para Peter; ou quando filma as veias dos cavalos, símbolos eternos de masculinidade; ou quando nos mostra, igualmente com detalhe, Phil a fazer uma corda, intumescendo-a lentamente para, depois, ensinar o mesmo a Peter… Mas Jane Campion vai mais longe, porque todas estas imagens nos levam num sentido enganador para, no final, inverter os papéis de quem é que é o forte e de quem é que é o fraco, de quem usa a razão para vencer a força bruta.
Repito: um filme notável!
Brilhante!
Pedro Brás Marques
“The Power of The Dog” (Netflix) é um filme notável, pela sua complexidade, pela profundidade do argumento, pela forma engenhosa como engana o espectador até perto do final e também por ser um tipo de produto que se afasta das produções típicas do mercado de streaming, onde a quantidade muitas vezes se sobrepõe à qualidade.
Estamos em Montana e, se não fosse um ou outro automóvel, seria impensável acreditar que a acção decorre em 1925. Dois abastados irmãos, Phil e George, conduzem uma enorme manada de gado quando param numa hospedaria, gerida por Rose e pelo filho, Peter, um adolescente frágil e cheio de tiques, que é gozado por todos, em especial pelo auto-confiante e agressivo Phil. Mas o pacato e dócil George acaba por se apaixonar por Rose, pede-a em casamento, ela aceita e passam a viver todos juntos. Phil continua a gozar com Peter e a detestar a cunhada, descobrindo o seu ponto fraco, a bebida. A razão de muita da raiva de Phil prende-se com o facto de ter perdido um amigo, mentor e amante, Bronco Henry. Num ambiente masculino como o dos vaqueiros, a sua agonia cresce e quando repara que Peter o viu nu a tomar banho, Phil muda radicalmente de atitude perante o miúdo, tornando-se como que um orientador e conselheiro de Peter nas artes dos cowboys. Mas nem tudo o que parece é…
Associar vaqueiros a homossexuais evoca, imediatamente, “Brokeback Mountain”, mas isso é enganador. Se há, aqui, referências visuais e temáticas, elas não estão na sexualidade mas nos clássicos. Jane Campion foi lá inspirar-se e o resultado é muito bom. A primeira citação é, obviamente, a de “Red River”, de Hawks, também uma história de confronto entre dois homens, um pai e o seu filho adoptivo, durante a deslocação duma imensa manada bovina. E, claro, seria impossível esquecer John Ford e “A Desaparecida”, em especial a icónica cena em que Ethan sai pela porta da cabana, filmada em contraluz. Jane Campion faz o mesmo em portas, portões e até em janelas, emulando brilhantemente a dualidade entre o dentro e o fora, entre quem entra e quem sai, entre luz e escuridão, entre o Bem e o Mal… Mas se o faz, também joga com o estereótipo do macho-alfa, do duro “Malboro Man”, alertando que, num meio quase exclusivamente masculino, a homossexualidade não seria algo de estranho…
A realizadora neozelandesa nunca foi muito prolífica, apresentando quatro filmes neste século. Mas este “The Power of The Dog” está ao nível de excelência das suas obras maiores como as longínquas “The Piano” e “The Portrait of a Lady”. Desde a fotografia, aproveitando as dramáticas paisagens de Montana, até à direcção de actores, tudo esteve perfeito. Benedict Cumberbatch tem aqui, porventura, a melhor interpretação da sua carreira. Kirsten Dunst também lhe pode agradecer, ao voltar a ter um papel que faz jus à sua excelência, o que já não se via desde que Sofia Coppola a dirigiu em “The Beguilded”. Mas o mais interessante, repete-se, é mesmo o trabalho de Campion, em especial na construção da enorme carga simbólica: Phil muitas vezes filmado dum plano inferior para lhe dar “grandeza”; ou quando está mergulhado na água do rio até aos olhos, qual predador à procura de caça; ou quando está a enfiar um grosso tronco na terra, em movimentos verticais ritmados, enquanto olha para Peter; ou quando filma as veias dos cavalos, símbolos eternos de masculinidade; ou quando nos mostra, igualmente com detalhe, Phil a fazer uma corda, intumescendo-a lentamente para, depois, ensinar o mesmo a Peter… Mas Jane Campion vai mais longe, porque todas estas imagens nos levam num sentido enganador para, no final, inverter os papéis de quem é que é o forte e de quem é que é o fraco, de quem usa a razão para vencer a força bruta.
Repito: um filme notável!
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