Nova ordem
Fernando Oliveira
É um filme que assusta. Não apenas por aquilo que nos mostra, pelo o que nos conta, mas também pela forma seca e amoral como encena a violência extrema que o encharca. <br />Cidade do México, um hospital é invadido, os doentes são retirados pelos invasores, há muita gente ferida entre eles, têm de ser tratados. Depois uma cena curta: um reboque cheio de corpos mortos, uns nus outros mutilados.<br /><br />O oposto a seguir. Um casamento de gente rica, os convidados vão chegando, começamos a notar o desconforto que trazem, alguma coisa está a acontecer lá fora. A festa continua. Um homem, um antigo empregado da casa chega. Vem pedir ajuda, a mulher expulsa do hospital na cena inicial precisa de uma operação urgente, precisa de dinheiro, da ajuda dos antigos patrões. É-lhe recusada, mas a noiva, Marianne, insiste na ajuda e abandona a festa do se casamento e vai com um empregado a casa do homem.<br />E então a violência explode no filme: os mais desfavorecidos da cidade, e serão milhões, saíram à rua, pilham, destroem e matam o que, e quem lhes dá na gana. A selvajaria toma conta das ruas. Marianne tem de passar a noite em casa do seu empregado, enquanto isso a sua festa de casamento é invadida, o resultado é trágico. No dia seguinte, Marianne é raptada por militares, é levada para um aquartelamento. É numerada, como os animais e presa com muitos outros jovens, homens e mulheres de famílias abastadas da cidade. <br />E enquanto na cidade agora acalmada e ocupada pelos militares vai sendo imposta um ditadura ultra-fascista, na prisão de Marianne percebemos que a intenção daqueles militares é chantagearem as famílias, a vida dos prisioneiros em troca de dinheiro. E a repressão militar nas ruas, a humilhação a que sujeitam os habitantes pobres da cidade, vai espelhar na violência com que os prisioneiros vão ser tratados: violentados e violados, o pressentimento de poderem não sair dali vivos. <br /><br />O que assusta no filme não é violência excessiva, mas a forma como o realizador nos vai sugerindo o plano dos militares para imporem a nova ordem (no primeiro dia vamos ouvindo nas reportagens a estupefação por estes não intervirem para controlar a violência: a ordem depois do caos); a forma seca como Franco encena essa violência, de forma explicitamente gráfica, mas também sugerindo, os sons fora do enquadramento, por vezes das duas maneiras, ouvimos e só depois nos mostra; o medo que inibe as pessoas e que impede uma reacção. E como nos conta o desenlace da história de Marianne: filha de gente poderosa, são movidos o céu e terra para a encontrar, quando as chefias militares descobrem o “desvio” dos soldados que a raptaram, a limpeza é rápida, cruel e sinistra. Nada pode manchar a Nova Ordem. <br />Michel Franco toca apenas ao de leve nos personagens, impede a empatia, parece interessar-lhe apenas o “suicídio” social das sociedades modernas, e como isso pode levar à violência e aos caos. <br /><br />E é isto que torna o filme angustiante. É um filme que assusta, porque o mundo em que vivemos o torna verosímil, torna a sua história uma possibilidade. <br />(em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt")
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