Entrenha-se muito habilmente num meio que não é fácil de penetrar, com um sabor de autenticidade que é notável. A isto se resume o principal interesse desta fita, e que já não é pouco. Quanto ao trabalho dos autores e à realização, também são de grande nível. Agora o enredo... aquilo cola mal, sobretudo a concepção do protagonista, falta autenticidade a tal personagem do princípio ao fim. Divertida a personagem do padre, que tirando-se o contexto da religião, paramentos, rituais, etc., tem talento de capo camorrista.

"Nostalgia", uma coprodução franco-italiana dirigida pelo veterano Mario Martone (candidata italiana aos óscares), é uma espécie de thriller introspectivo de cariz sociológico, já que o seu olhar sagaz coloca (também) a nu a (sobre)vivência dos populares nas labirínticas ruelas escuras e degradadas da eterna cidade da Camorra. Martone mostra-nos o reencontro da dupla de protagonistas, o melancólico Felice (divinalmente interpretado por um dos melhores actores latinos da actualidade, Pierfrancesco Favino) e a sua velha Nápoles (uma rude "personagem" omnipresente). Felice abandonou Nápoles (mais concretamente o bairro de Sanità, no qual irá desenrolar-se toda a acção) há 40 anos, quando ainda era adolescente, para ir trabalhar com o tio no Líbano (só posteriormente tomaremos conhecimento do motivo da fuga repentina, através de um dos múltiplos flasbacks que revelam a conta gotas memórias do passado que o devora - filmados de modo estilizado num formato quadrado de película super 8 mm). Estabelecer-se-á mais tarde no Egipto, onde contrairá matrimónio, prosperará economicamente e, inclusive, converter-se-á ao islão. Na primeira parte somos confrontados com a emotiva dinâmica relacional de Felice com a sua mãe moribunda, bem como pelo seu deambular solitário pelos recantos (tão degradados quanto nos seus tempos de meninice) repletos de "fantasmas" (e gradativamente uma irracional vontade de voltar a estabelecer-se ali em definitivo começa a apoderar-se de si - algo desaconselhável, uma vez que o seu ex-melhor amigo se transformou no temido "homem-mau", o "dono daquilo tudo"). Numa segunda fase ele tenta tornar-se um membro activo na luta indirecta contra a Camorra, juntando-se para o efeito a um empenhado padre activista (Francesco di Leva), ao implementar projectos sociais que visam subtrair jovens do ciclo de delinquência (quiçá, para expiar pecados idos). Realce-se a excelente fotografia, que consegue extrair a beleza e mística de uma cidade dilacerada por "cicatrizes" difíceis de maquilhar.