O filme "Misericórdia", realizado pela italiana Emma Dante, é um drama social não naturalista em forma de fábula, simultaneamente, grotesca e poética (quase mitológica), com uma forte carga simbólica, sobre a essência das mulheres subjugadas e maltratadas em contextos de pobreza e decadência moral extrema que, apesar da rudeza adquirida como forma de sobrevivência, conseguem manter alguns traços de humanismo.

A história de Arturo (Simone Zambelli), um angelical jovem de 18 anos (portador de doença mental que o impede de comunicar com os demais), criado e protegido, desde a nascença, por duas prostitutas (decorrente da morte da morte da progenitora, igualmente prostituta, por espancamento) que (sobre)vivem, rodeadas de lixo e "destroços humanos", num isolado aglomerado de construções ultra-precárias aprisionado entre um mar idílico e uma montanha magestosa (que, por vezes, se "zanga"), poderá considerar-se uma espécie "Feios, Porcos e Maus" do século XXI.

Esta "versão" 2.0 do clássico do Ettore Scola distancia-se do original (e, por consequência, agiganta-se), por não render-se ao miserabilismo, conseguindo extrair deste um estarrecedor lirismo visual e não-verbal difícil (que resulta em imagens difíceis de esquecer). @jmikecosta