Avalanche emocional
Pedro Brás Marques
Pai, mãe e dois filhos vão passar cinco dias de férias aos Alpes. Dormem, lavam os dentes, almoçam, esquiam, fazem tudo sempre juntos. É aquilo que convencionamos rotular de “uma família feliz”. Mas, ao segundo dia, enquanto desfrutam da esmagadora paisagem montanhosa que se estende à sua frente a partir da esplanada do hotel, assistem a uma avalanche. É controlada, mas alguma coisa corre mal e ela atinge, levemente, a zona onde os turistas faziam a sua refeição. Perante a ameaça do perigo, o pai levanta-se, pega nas luvas e no iphone, e foge, deixando para trás a mulher e as crianças. Passando o susto, que não foi mais do que isto, regressa e todos se sentam à mesa, para continuarem o repasto. Aparentemente, não se passou nada. <br />Mas, umas horas depois, a mulher resolve contar a aventura a um casal amigo, mencionando a fuga do marido. Este nega, mas ela insiste na sua versão e nada volta a ser como dantes. As dúvidas erguem-se entre os elementos do casal e os próprios miúdos mostram-se inquietos. <br />A construção da história, o ritmo com que as personagens vão evoluindo no seu apocalipse interior e a crescente velocidade da avalanche emocional que se forma, fazem de “Força Maior” uma belíssima história sobre os papéis que cada elemento tem no casal, o que dele se espera e como tudo pode mudar perante um “ataque” exterior. E, note-se, que o argumento foge da ameaça racional ou emocional. Podia ser um terceiro elemento, uma mulher ou um homem, um qualquer acontecimento humano a provocar a alteração. Mas não foi. Foi um “acto de Deus”, uma “força maior”, algo a que até o Direito entroniza como subjectivamente desculpante. Ou seja, o “prevaricador” só tem a si mesmo para se culpar. O momento mais alto é precisamente o pungente choro do pai, agarrado à família, assumindo e interiorizando a sua falha. <br />Até aqui, o realizador sueco Ruben Östlund oferece-nos um filme brilhante. O pior é que, sabe-se lá porquê, entendeu que a história devia ter um fim moralista e redentor para a figura paterna. Fez mal. Porque bastaria a mera assunção do erro da parte da figura paterna para que todos percebêssemos que o mal tinha sido corrigido e a família havia ultrapassado a falha de um dos seus elementos. Assim, com um “final à Spielberg”, estraga uma bela e estimulante história, ideal para aqueles jantares onde alguém, perante a trágica hipótese proposta no filme, inevitavelmente colocará a pergunta: “e tu, como é que reagirias?”…
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