Chegada da puberdade a Donald
António Ricardo
Sem nenhuma dúvida "Donnie Darko" é um filme que se encarrega de nos transportar para o maravilhoso do misterioso. Mas terá sido uma estreia positiva de Richard Kelly? A primeira impressão que me assolou foi a de se tratar de um filme de série B já que tanto no campo da realização como na musicalidade invadia-nos uma extrema experimentalidade que, diga-se de passagem, pecava pela pouca originalidade e pelos variadíssimos clichés vistos em qualquer "teen movie" americano. O "casting" a cargo de Joseph Middleton e Michelle Morris Gertz revela-se falhado em momentos decisivos em torno da carga psicológica exigida aos actores.<BR/><Br/>Jake Gillenhall (Donnie Darko) não consegue simplesmente agir como um adolescente "normal", mesmo tendo em consideração todos os seus problemas de natureza psicológica. O surrealismo das personagens (principalmente o grupo etário mais jovem) é uma constante em todo o filme que só o diminui. Tenho a certeza que nenhum grupo estudantil se comporta da maneira como é caracterizado, nem mesmo nos USA em 1988. Um (dos muitos) exemplo é o "bad boy" da mesma turma que Donnie onde mais tarde assalta (porque estúpida razão?) a casa de Roberta Sparrow. É de uma caracterização anormal, irreal e fora de contexto. A somar a este surgem os próprios pais de Donnie (Mary McDonnell e Holmes Osborne) que só demonstram uma séria preocupação pelo filho aquando da sua morte e não quando apresenta perturbações mentais e sinais de agressividade.<BR/><Br/>Destaca-se, e pela mediania, a irmã mais velha de Donnie, Drew Barrymore (Ms. Pomeroy), excepto aquele "fuck" incompreensível, e Patrick Swayze (Jim Cunningham), mostrando-se este último decadente em termos de carreira, longe das luzes da ribalta e de grandes "papéis". Contudo isto não faz com que o filme seja mau, mas sim, que o piore. Fora isso existe durante a película uma explanação de um argumento ambíguo e interessante. É o próprio Richard Kelly quem o escreve baseando-se, talvez, em anteriores argumentos inseridos nesta temática do enigmático. Um dos quais "Frailty", de Bill Paxton, em que Adam Meiks se assemelha a Donnie Darko como papel preponderante de salvador e justiceiro da Humanidade, no qual estes "viam" mais do que todos os outros.<BR/><Br/>"Frank" (O amigo imaginário de Donald, vestido de coelho) e "Deus" são os mentores de Donnie e Adam, respectivamente, e encarregam-lhes missões com o objectivo de futura redenção para com os próprios e com os outros. Pré-destinado, herói ou simplesmente um jovem psicologicamente afectado, depois de Frank lhe ter salvo e comunicado quantos dias faltavam para o fim do mundo a sua vida sofre um revés do qual não nega. Aparição em aparição, Donnie consome actos que mais tarde terão o seu valor justo muito próprio.<BR/><Br/>Mas centrando-me, agora, no aspecto positivo do filme que passa pela narrativa complexa e, aparentemente, pouco lógica dos acontecimentos (principalmente os finais) que remete para o espectador (e muito) a capacidade de imaginação e inteligência afim de justificar tão ficcionário mundo que Donnie Darko nos presenteia. A nossa mente contradiz-se com inúmeras questões: será Jack tão-somente uma personagem imaginária apenas vista por Donald? Qual a ordem cronológica dos acontecimentos, visto Jack ter o olho desfeito antes de Donnie ter disparado sobre este ao pé da casa de Roberta? Será real o tempo em que decorre praticamente toda a história depois de Donnie, supostamente, ter sido salvo duma turbina dum avião caído do céu?<BR/><Br/>Se essa turbina percorreu um espaço inter-espacial ao longo do tempo, recuando vários dias, como matou Donnie, mais tarde, se este não efectuou o mesmo percurso que o aparelho? Terão os actos de Donnie sido nobres que tenham valido a pena, após um adiamento da sua morte? Terá sido um mundo melhor depois disso? Será que num momento de indecisão poderemos voltar atrás? Teremos o destino traçado? Ou estará este nas nossas mãos? "Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje", será essa uma das ideias-chave do filme que julgo eu, de modo algum poder ser comparável aos de David Lynch.<BR/><Br/>Esse sim, um génio insubordinado já que nos deleita com clareza de planos e fluidez de texto ao mesmo tempo uma história que nos "troca as voltas" e nos deixa os neurónios à beira do curto-circuito. Richard Kelly começou ambicioso em termos de argumento, já que este género cinematográfico do mistério tem que ser tratado com bastante precisão, pois neste caso os pormenores ganham extrema importância.
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