Para lá do "Made in China"
Pedro Brás Marques
A China continua o seu processo de ocidentalização que passa, também, pela vertente cultural. Este “Carvão Negro, Gelo Fino”, vencedor claro do último Festival de Berlim, é a prova disso. Trata-se dum filme que, se não fosse oriundo da cinematografia do “Império do Meio”, passava completamente despercebido. Assim sendo, há que enquadrá-lo naquilo que tem sido a recente produção chinesa, algo perdida entre o seu cinema tradicional, herdeiro dum tradição cultural e duma sensibilidade artística muito específica, e uma série de pastelões épicos, feitos a meias com Hollywood, que nada acrescentam a não ser mais umas gotas no copo do orgulho nacional… <br /> Daí que este “Carvão Negro, Gelo Fino” surpreenda, precisamente porque mais não quer do que contar uma história. E Diao Yinan fá-lo bem, embora o filme perca muito por via duma irritante e recorrente quebra no ritmo narrativo. Se, na primeira meia hora, “Carvão Negro…” avança de forma decidida, a partir dali arrasta-se - por vezes, de forma soporífera… Estamos perante uma história policial, centrada na perseguição a um ‘serial killer’, que começa quando são descobertos bocados de corpos humanos espalhados por uma província chinesa. Durante a investigação, a “coisa dá para o torto” e os principais responsáveis são despedidos. Cinco anos depois, novos corpos começam a aparecer da mesma forma e os protagonistas, em especial um, Zhang, inicia uma investigação por conta própria, que o leva a uma empregada duma lavandaria, uma ‘femme fatale’ por quem acaba por se apaixonar… <br /> Não há cá mensagens políticas, não há sentidos orientais a retirar. É uma história policial onde se cruzam elementos típicos do género, em especial de algum ‘cinema noir’ dos anos 40 e 50, onde habitualmente o investigador se envolvia perigosamente com a principal suspeita dos crimes… Há algumas boas ideias, incluindo, claro, os jogos de dicotomia entre o branco e o preto, entre o gelo e o fogo, entre a lavandaria e a sujidade, entre o bem e o mal e a tentação de passar a fronteira entre a paixão e o perigo… Mas, repito, se não fosse a curiosidade de ver um filme oriundo da China onde se conta de forma escorreita uma história, sem recurso às “mensagens” habituais das “virtudes da casa”, “Carvão Negro, Gelo Fino” não passaria de mais um filme policial, entre muitos outros que por aí vão brotando. O que já não é nada mau…
Continuar a ler