Por Um Fio
Ricardo Pereira
O novo filme de Joel Schumacher conta uma história que se passa inteiramente como diz o próprio título numa "Cabine Telefónica": habituado a mentir para conseguir o que deseja, o relações públicas Stu Shepard (Colin Farrell) utiliza sempre o mesmo telefone público para ligar para uma garota por quem está interessado, já que sua esposa tem o hábito de conferir os números discados em seu celular. Certo dia, porém, logo após conversar com a moça (interpretada por Katie Holmes), Stu ouve o telefone tocar e decide atender a chamada. Para seu espanto, a voz do outro lado da linha o avisa de que ele está sob a mira de um atirador furtivo e o proíbe de desligar o aparelho. Enquanto tenta convencer o atirador a deixá-lo partir, Stu é cercado pela polícia e deve lidar simultaneamente com o assassino e com o detective feito por Forest Whitaker, sob risco de perder a vida. O argumentista de "Cabine Telefónica" (e também realizador de filmes de terror) Larry Cohen já era conhecido por dar forma, muitas vezes inverosímeis, a medos ordinários do homem moderno. Aqui, no entanto, ele dá um voo rasante no quotidiano, e por trás da simplicidade, abre discussão para alguns dos actuais conflitos americanos, como a desumanização nas relações interpessoais, o questionamento de valores éticos e morais e a demonização da tecnologia. A história está centrada numa Nova Iorque onde as relações interpessoais foram irreversivelmente alteradas (e para pior), entre outras coisas, pela evolução da telefonia. Uma vez a telefonia celular aproximando quem está a quilómetros de distancia, afasta quem está ao lado e esta multidão é formada por desconhecidos cada vez mais alheios ao senso de colectividade. É dentro desse contexto que surge a figura do atirador vivido por Kiefer Sutherland. Ao ameaçar a vida de Stu, pelo orelhão, ele violenta o último bastião de privacidade do ambiente urbano, segundo o filme: a cabine telefónica. E isto só para lembrá-lo o quão importante é a moral na vida das pessoas. O que o atirador quer é que Stu limpe sua consciência, se reconcilie com o mundo, seja honesto com a esposa. Não é exagero dizer que o atirador seria uma mistura entre a consciência de Stu e Deus, mas um deus norte-americano, violento, vingador, cruel e perverso. É da força desse personagem misterioso que ninguém vê que vem a força do próprio filme. Outros filmes já usaram o telefone para criar tensão dramática. O monólogo "La Voce Humana", de Jean Cocteau, foi filmado por Roberto Rossellini com Anna Magnani em 1948; Anatole Litvak também colocou Barbara Stanwyck numa situação limite no noir "Sorry, Wrong Number" em 1948; e até Sydney Pollack fez de Sidney Poitier o voluntário que tenta impedir que Anne Bancroft se suicide em "The Splender Thread", de 1965. Todos são filmes sobre a importância do telefone como meio de comunicação. Todos críticos e desmistificadores, porque, na realidade, a comunicação não é sincera e, na maioria das vezes, as pessoas falam muito para esconder, não para revelar.
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