Blue Valentine - Só Tu e Eu, por Tiago Ramos
Tiago Ramos
Perguntar o que é o amor, é tão universal quanto a questão imortalizada por Paul Gauguin «D’où venons-nous? Que sommes-nous? Où allons-nous?» (De onde vimos? Quem Somos? Para onde vamos?). A resposta é também ela universal e incerta. À parte de explicações científicas que resumem tudo a uma dose de hormonas e elementos químicos, a verdade é que para quem se questiona é difícil aceitar algo tão básico. Tudo isto para dizer que nada é tão simples quanto aparenta, ou mesmo que o seja, não se aceita. Porque somos complicados, assim como as relações o são.
Blue Valentine, a que em Portugal acrescentaram um sufixo que lhe reduz toda a magia do título – Tu e Eu – é original precisamente por isso. Porque retrata à luz da realidade a relação entre casais habitualmente romantizada pela indústria cinematográfica. Porque parte da questão universal sobre o que é o amor, se é eterno, como nasce e como morre. Foge da tendência do cinema romântico em apresentar o relacionamento entre duas pessoas como o mar de rosas, que efectivamente não é. Não quer com isto dizer que Blue Valentine é um filme pessimista, porque não é. É um filme real, sobre a rotina. É isto o amor? Não sabemos. Tanto pode ser como não, pode ter um fim ou não, mas tem sempre as suas curvas ascendentes e descendentes.
Derek Cianfrance divide-se entre as duas épocas que compõem o amor de Dean e Cindy: a fase inicial, do conhecimento, paixão, espontaneidade e a fase final, o desgaste da rotina, o afastamento, as dúvidas, a complexidade. Um contraste contínuo e alternado entre a recordação e nostalgia do passado, com a constante percepção do presente. As coisas mudaram e de quem é a culpa? É dos dois? Ou de nenhum? A facilidade do início é contraposta pela dificuldade em colocar um fim a algo que aparentemente já não tem futuro. Cindy tem dúvidas. É a ela que lhe começam a nascer. Ora pelo firmar da sua relação ter sido algo precipitada, ora por um encontro acidental com alguém do seu passado começar a colocar em questão o futuro. Não surpreende que parta dela a intenção de terminar o remediado. Ele, Dean, assume que não. Mas ficamos na dúvida, nós e ele, se essa dificuldade em aceitar o inevitável parte daquilo que conhecemos por amor ou apenas remediar o que já não tem remédio, o eventual corte com a rotina que tanto custa.
E tão bem, o cineasta assume essa tendência para o corte – pessimista ou realista, não interessa – ao visualmente retratar essas dúvidas. Se o passado é filmado com cores vivas e tons quentes, o presente é retratado em cinza e tons frios. Tão irónico quanto o quarto de motel onde tentam por fim resolver as dúvidas se chamar quarto futurista. Como uma premonição do eventual fim. Tão irónico quanto o tom sufocante que simultaneamente invade as personagens e o espectador. Nobody baby, but you and me. Porque ali são apenas eles. Dean e Cindy numa réstia de firmeza ao passado num quarto tão sufocante, num ambiente que tem tanto de sexy como de desesperante. Tanto de belo e poético como decadente.
Michelle Williams e Ryan Gosling assinam aqui uma das melhores interpretações da sua carreira. Ela, nomeada ao Óscar para Melhor Actriz, nunca chega a atingir a genialidade de Ryan Gosling, um dos actores mais menosprezados desta geração, mas principalmente um dos mais talentosos e injustamente sem uma nomeação ao Óscar de Melhor Actor. Eles transformam-se em Dean e Cindy. Eles são Dean e Cindy e sentem as mesmas dores e as mesmas dúvidas. A mesma obsessão em tentar sobreviver à ruptura que insiste em assolar a sua vida conjunta. Assim como nós. Nós somos eles. Vivemos o mesmo turbilhão, a mesma desolação e melancolia. A mesma dúvida: é isto o amor? Talvez seja, talvez não. Mas a doçura com que Blue Valentine coexiste com os nossos próprios medos é tão realista e honesta que não há forma de não nos apaixonarmos.
Em Blue Valentine há um fim. Mas nunca chegamos a saber se este fim é eterno ou não. Naquele dia sim. Mas o amor e uma vida acaba assim de uma vez, num dia? Também de pouco interessa porque está aqui criado um dos mais importantes e belos retratos do amor e da relação humana.
Continuar a ler