Depois dos 20, antes dos 20
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com
Depois de, em 2002, o bem-sucedido e muito acarinhado "A Residência Espanhola" ter apresentado uma perspectiva vibrante e envolvente sobre os dilemas da juventude europeia, Cédric Klapisch regressa agora com um novo olhar sobre as personagens que tornaram esse título numa marcante obra de culto. "As Bonecas Russas" ("Les Poupées Russes") volta a seguir o dia-a-dia de Xavier, que agora já não vive uma atribulada experiência em Barcelona através do programa universitário Erasmus mas tenta desenvolver um percurso profissional como escritor em Paris, mesmo que quase só seja solicitado para trabalhos pouco prestigiantes.<BR/><BR/>O filme centra-se no seu protagonista de forma mais vincada do que o seu antecessor, o que implica que Klapisch faça escolhas quanto às personagens com que este se relacionará de forma mais aproximada, reduzindo assim parte do elenco multicultural d'"A Residência Espanhola" a meros figurantes, com uma presença algo dispensável e meramente decorativa.<BR/><BR/>Se este factor retira algum do carisma, uma vez que a saudável pluralidade dá lugar a um argumento mais agarrado ao protagonista, também acaba por expor uma maior concisão e permite o desencadear de uma densidade emocional mais considerável, ainda que o filme seja essencialmente leve, acessível e imediato.<BR/><BR/>Cosmopolita, irónico e divertido, "As Bonecas Russas" consegue ser uma cativante experiência cinematográfica ao proporcionar um realista e palpável relato sobre os encantos e desencantos do crescimento, focando agora, não o fim da adolescência, mas a alvorada da idade adulta - e apesar das personagens terem envelhecido cinco anos, o rumo das suas vidas continua tão indefinido e volátil como o dos tempos universitários.<BR/><BR/>Apostando num ritmo dinâmico que origina uma narrativa fluida e apelativa, Klapisch oferece também, no entanto, alguns momentos de um absorvente intimismo, mergulhando no âmago das personagens e nas inquietações por detrás da sua aparente energia e vivacidade.<BR/><BR/>Ora aproximando-se dos cânones da comédia romântica (mas fugindo ao facilitismo), ora enveredando por domínios do "road movie", contendo ainda uma lógica de filme-dentro-do-filme (através dos ocasionais momentos que seguem as histórias escritas por Xavier), "As Bonecas Russas" alterna seriedade (nos diálogos do par central, por exemplo) com sátira (as piscadelas de olho à ficção televisiva) e essa mistura revela-se consistente e inventiva.<BR/><BR/>Entre Paris, Londres e São Petersburgo, são abordadas questões como as dificuldades das relações amorosas, as incertezas da vida profissional, as orientações sexuais, a relevância da amizade e da família, os contrastes de culturas ou o crescimento e a (falta de) maturidade, temas que já se destacavam n'"A Residência Espanhola" mas que ganham aqui um novo fôlego.<BR/><BR/>Mesmo estando um pouco abaixo desse primeiro capítulo – o factor surpresa não é tão elevado -, "As Bonecas Russas" conta com um elenco igualmente coeso (Romain Duris e Kelly Reilly estão especialmente inspirados), uma montagem e argumento não menos criativos e uma banda sonora que, mais uma vez, assenta na perfeição (agora a grande canção não é "No Surprises", dos Radiohead, mas a belíssima "Misteries", de Beth Gibbons). Pode não ser um dos filmes essenciais de 2005, mas é um dos mais irresistíveis, e quem procurar uma proposta simultaneamente lúdica e inteligente tem aqui um título de visita obrigatória. Boas viagens. 3,5/5 - Bom.
Continuar a ler