Filme cheio de imperfeições mas que vale a pena
Pedro Lérias
Foram 15 minutos difíceis, os primeiros. Os 'vícios' associados aos filmes portugueses e que tanta gente conseguem afastar - lentidão dos planos, um excesso na representação dos actores que causa desconforto, exageros na caracterização dos personagens - invadiam o cinema e faziam temer o 'pior': como é que caí no engodo de vir ver um filme português?<BR/><BR/>Felizmente, após um começo difícil, o filme ganha vida própria e, pouco a pouco, a história e os personagens tornaram-se mais verosímeis e a realidade retratada, sem equívocos possíveis, a nossa, a portuguesa, dos desencontros de famílias que se viam no programa da SIC, 'Ponto de Encontro', do choque de gerações e de um Portugal rural num mundo moderno.<BR/><BR/>O filme fala sobre a diferença, de uma forma inicialmente crua - por vezes excessivamente crua, resultados de exageros infantis, em especial na caracterização da personagem e mundo do homem homossexual no centro do filme. Ao longo do filme as diferenças vão-se esbatendo e reconhecemos as realidades desses personagens como as nossas, os seus desejos e medos como os de qualquer um. As personagens são humanizadas. Se no início do filme o exagero da representação e do drama da história tinham afastado da nossa realidade os personagens, a meio, felizmente, já se ultrapassaram esses excessos.<BR/><BR/>Isto também porque as personagens femininas, a partir de meio do filme, sustentam a história, da mesma forma que sustentam e estruturam as nossas vidas familiares em Portugal. Personagens sofridas, de compromissos, a sacrificarem a sua vontade para acomodarem familiares e amigos. <BR/><BR/>Finalmente, o Vasco, um jovem com Trissomia 21, uma pessoa especial no melhor dos sentidos aquece-nos o coração, brutalmente arrefecido no início do filme por uma diferença exagerada. A diferença do Vasco é mais fácil de aceitar e acaba por fazer a ponte entre a diferença do tio homossexual e o resto da família. Através da simplicidade e inocência do Vasco questionamos as nossas ideias preconcebidas, os nossos lugares comuns. Desafia-nos de uma maneira que o personagem homossexual não o faz, não porque não o pudesse fazer mas porque é retratado de forma reducionista e não lhe é dada essa possibilidade.<BR/><BR/>No final de um filme que começa negro a mensagem é de esperança, alegria e calor humano. Sofre-se para chegar a essa sensação de alguma paz, muito bem vinda quando finalmente chega.<BR/><BR/>Em 'A Outra Margem' desafiam-se alguns estereótipos, alimentam-se outros, mas o resultado é muito positivo. Não é um filme fenomenal, mas é um filme português, retrata o nosso mundo. E como tal perturba, faz pensar. Valeu a pena ter ido vê-lo e recomendo. Foi o primeiro filme português que vi em sei lá quantos anos e não me arrependi.
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