Filme surpreendente na execução que poderia facilmente descambar ora para o melodrama ora para o kitsh, conseguindo um poético equilíbrio. Delicioso também na vertente artística do protagonista que, mesmo sem articular palavras, é fortíssimo no desempenho de actor (encarnado por Nahuel Pérez Biscavart, do filme "120 Batimentos Por Minuto" do ano passado), repescando memórias visuais de movimentos da arte intemporal mas surgidos em grande parte depois da 1ª Grande Guerra (desde o cubismo, surrealismo, naif...), mostrando a resiliência emotiva dos povos depois de grandes catástrofes, dando o mote para o que vem depois desta. Destaque igual para o outro protagonista, o soldado Millard, que desempenha um Chaplin na narrativa, ora no tom dramático quando necessário ora nos momentos-chave de humor negro e ligação aos outros personagens, sendo o bem que vela com humor as vítimas e desafortunados (a cena final deste personagem é completamente decalcada de Chaplin...). <br />O final surpreende por mostrar que, apesar de todos os arrependimentos das responsabilidades da guerra, há efeitos colaterais incalculáveis, sendo que o amor ainda é a maior arma do mundo. Um filme brilhante, poético e feroz a não perder!

"Até Nos Vermos Lá Em Cima", realizado/escrito/protagonizado por Albert Dupontel, é um drama impregnado de fantasia/magia, graças à excentricidade/sensibilidade de um dos seus personagens base (o "artista mascarado que não fala" mas "enche" o filme... com poesia), bem como por apelar a um ligeiro toque de comédia negra e surrealismo que traspassa toda a narrativa (e, não poucas vezes, nos transporta até ao limiar de um universo algo chapliniano). <br /> Relata-nos, de um modo divertido e comovente (sem sucumbir à tentação de recorrer a lamúrias, que seriam fáceis neste contexto melodramático), misturando uma mescla de estilos cinematográficos diferenciados, a história de amizade e altruísmo de dois soldados de classes sociais distintas que se conhecem num terrível cenário belicista no final da primeira guerra mundial (com consequências nefastas e irreversíveis para um deles) e cujas vidas ("para o bem e para o mal") jamais se separarão. <br /> <br />Destaque-se, para além da aura do "artista sem rosto" (encarnado por Nahuel Pérez Biscavart, que no ano passado já se havia destacado no filme "120 Batimentos Por Minuto"), a mestria da realização e a excelente fotografia (ambas galardoadas com os mais importantes prémios do cinema francês - os Césares), que quase fazem esquecer a sensação de que o enredo poderia ter-nos sido transmitido de forma menos confusa.