Razões para viver
Pedro Brás Marques
“Três Cartazes à beira da estrada”, um dos títulos mais estranhos dos últimos tempos, especialmente na versão original (“Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”), esconde uma história cheia de força e vigor, salteada com um desconcertante humor negro. <br />Estamos em Ebbing, uma cidadezinha do Missouri, perdida na Middle America, a “Heartland” desse enorme país, onde a ruralidade é uma constante e onde o racismo e a misoginia permanecem vivos no dia-a-dia dos seus habitantes. Foi neste cenário que, sete meses antes, uma teenager de nome Angela foi violada e o criminoso jamais identificado. A mãe, Mildred, resolve tomar em mãos o problema e aluga três cartazes, do género “outdoors”, à entrada da cidade, colocando mensagens em que questiona directamente as autoridades sobre o porquê do silêncio destas perante o crime que lhe roubou a filha. Claro que as ondas de choque rapidamente se fazem sentir, atingindo em cheio a força policial de Ebbing, em especial o compreensivo chefe Willoughby e o seu nervoso ajudante Dixon. O jogo de forças desenrola-se entre estes dois pólos, mas o interesse do filme vai muito para lá deste dramático jogo-da-corda… <br />No fundo, o que as personagens de “Três cartazes…” procuram é que a sua existência tenha um sentido. “ At the end of every hard earned day, people find some reason to believe”, como canta Bruce Springsteen precisamente em “Reason to Believe”. Do lado de Mildred, ela está obcecada com a perda da sua filha e a sua indignação, a sua profunda revolta, é um motor poderoso, que a torna imparável, capaz de levar tudo à frente e não temendo qualquer retaliação, venha ela de onde vier. Do outro, um ajudante da polícia, algo perdido entre a obrigação perante a mãe idosa e a vontade de se libertar desse jugo, o que o torna absurdamente violento, sem esquecer o chefe de polícia que padece duma doença terminal e que, perante a inevitabilidade do fim, não encontra na mulher e nas filhas força suficiente para encarar o sofrimento e continuar a viver. <br />É claro que se podem fazer leituras a outro nível. Mildred representa o cidadão comum que não encontra no Estado as respostas que este, em princípio, estaria obrigado a dar-lhe. E a resposta deste oscila entre a compreensão (Willoughby) e o abuso de poder (Dixon). E não podemos esquecer a carga simbólica de serem três os cartazes erguidos por Mildred. Afinal, o número três é o número da mudança, da união dos opostos, do nascimento da solução, o futuro que resulta da continuação do passado e do presente. Não admira, portanto, que o fim dos cartazes “hereges” seja a fogueira e que o final do filme fosse, até, subjectivamente previsível. O título em português acaba, também por ajudar a compor a carga simbólica da trama. Se entendermos uma estrada como metáfora da vida, então os cartazes são algo exterior a ela, mas indispensáveis para lhe repor o equilíbrio… <br />“Três cartazes à beira da estrada” mistura habilmente drama e comédia, num tom negro, bem característico dos filmes e dos argumentos de Martin McDonagh, em especial o soberbo “Em Bruges”, onde Colin Farrell e Brendan Gleeson tentam desesperada e algo atabalhoadamente matar-se um ao outro… Como em qualquer realizador com “personalidade”, o inglês gosta de confiar nos mesmos actores, assim criando a sua “família” artística, na senda de nomes como John Ford, Hitchcock ou Tarantino. Dai que não seja de admirar que entre principais e secundárias, muitas caras sejam repetidas de trabalhos anteriores, como Woody Harrelson, Abbie Cornish, Sam Rockwell ou Zeljko Ivanek, só para citar alguns. Todos eles actores irrepreensíveis mas nenhum chega aos calcanhares de Frances McDormand, absolutamente genial nesta sua composição duma mãe dilacerada pela dor, mas que encontra nisso uma fonte de alento e de alimento. Uma “história simples”, tal como aquela de David Lynch, mostrando que quando os ingredientes são acertados e estão ajustados, o cinema mantém intacta a sua força e a sua capacidade de encantamento.
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