Vale a pena ver e rever este filme muito original
Ivo Miguel Barroso
O filme é muito original. Na verdade, nunca tinha visto um filme assim, de tão grande talento e visão. <br />É difícil de enquadrar nos géneros habituais, pois é drama, com momentos de comédia; é romântico; é ficção científica, mas muito diferente do género das que estamos habituados. <br />Vai para lá de “2001. Odisseia no espaço”; ou outros filmes em que os computadores ganham vida própria (como em “Star Wars”, com os dróides metalizados e, regra geral (com excepção de R2 e 3PO), a diabolização da máquina face ao homem, “Leitmotiv” de George Lucas; em “Superman”, para o mal). <br />Mas aqui tudo se passa sem um corpo; é apenas “software”. <br /> <br />Se se concretizará no futuro, não se sabe. <br />O certo é que é precursor e que abre portas. <br />Os visionários estão sempre à frente do seu tempo (por exemplo, Júlio Verne; Marsílio de Pádua; Montesquieu; Kant). <br /> <br />A perda de materialização das relações entre as pessoas é um dos tópicos do filme, mas não o principal. <br />O principal é os computadores, os sistemas operativos adquirirem sentimentos humanos de amor e afeição; tendo mesmo a capacidade de afastar a melancolia e solidão de Theodore, que se encontra “numa relação” com o Sistema Operativo “Samantha”. Como disse em comentário o JOSÉ MIGUEL COSTA, “Poderão as relações virtuais ser consideradas reais?". Poderão ter os computadores emoção? <br />Samantha, o Sistema Operativo, diz peremptoriamente que sim! <br />Mesmo o sexo virtual não é entre humanos (salvo quando Samantha convence Theodore a um curioso e original “mènage à trois”…), mas entre um homem e uma doce máquina… <br />Mais: Samantha é um Sistema Operativo que vai crescendo, apreendendo e absorvendo informação, à medida que a sua relação com Theodore avança. Será que isso pode acontecer com um computador: evoluir? <br /> <br />As relações relatadas no filme são diferentes das relações de amor entre os humanos: quando há paixão, ela ocupa todo o espaço. Neste caso, o Sistema Operativo Samantha está, no final do filme, revela estar em relação emocional com 641 sistemas operativos e não se aplica a teoria dos custos de oportunidade; isto é, continua a amar Theodore. <br /> <br /> <br />O filme tem algumas voltas e reviravoltas interessantes. Não é de todo entediante. É, na maioria das cenas, cativante, embora não pedante. <br /> <br />No final, os Sistemas Operativos vão-se embora, e deixam quem os criou e para quem foram configurados. <br />Estranho… A inteligência artificial adquiriu vida própria a ponto de se evadir. <br /> <br />O guião e a história de Spike Jones é muito bom. Não se trata de “cinema puro” (como o de Hitchcock) (em que a cena é mais importante do que a História); mas a colocação de uma série de cenários (interrogações?) sobre o que poderá suceder no futuro. <br /> <br />Se há crítica que se possa fazer ao filme, é que ele pode ser considerado algo pobre – mas tão rico em matéria reflexiva com que o espectador fica no fim de ver o filme…; “leve”, “light” na aparência – mas abordando e colocando em discussão items não discutidos, e, até hoje, cheio de respostas taxativas: a máquina, a inteligência artificial nunca seria capaz de superar o homem, nem de ter emoções de genuína autenticidade. <br />A crítica que considero mais poderosa é a de que o filme pode ser considerado “naïf” neste sentido: não há no filme perversão, maldade, nem entre os humanos, nem entre os sistemas operativos, nem entre as máquinas e os humanos. Há apenas a expressão de sentimentos como o puro amor, o ciúme, o sentimento de rejeição/recusa; algum sentimento de autocomiseração; estados depressivos (como o de Theodore, devido à mulher o ter deixado e ele não a conseguir esquecer, até que chega um computador). Nem mesmo nas cenas em que Theodore encontra uma mulher bonita, ele deixa de ser sincero, e deixar claro que não quer ir para além de uma aventura sexual (sendo o desejo da mulher algo mais do que isso, uma relação estável). <br /> <br />O actor principal, Joaquin Phoenix faz um bom papel. <br />A voz de Scarlett Johannsen resulta de uma forma perfeita: a mulher, perdão, o computador que nunca se tornará de carne e osso. <br />Quase nem se acredita como é que um filme consegue assentar praticamente em um homem falar sozinho com a voz de um sistema operativo, com o seu auricular, e com as imagens que lhe transmite através da sua câmara de telemóvel. <br /> <br />Isso permite lançar uma nova visão sobre as relações interpessoais, como o actor diz no final, em carta para a ex-mulher. <br /> <br />É sem dúvida um filme inesperado, revelador de um grande talento, diferente do que tudo o que vi até agora. <br /> <br />Comprova à sociedade que não é necessário um orçamento milionário para se fazer um bom ou excelente filme. <br /> <br />Nota que atribuo: 19 valores (porque não sei dar 20 valores sem perceber totalmente o filme… E compreendo que um filme precursor possa não ser entendido pelos seus contemporâneos). <br /> <br />Vale a pena ver e rever.
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