Renascer, com a morte à vista
Pedro Brás Marques
Não sei o que pensam os habitantes de Dallas, mas as principais referências audiovisuais nascidas com o nome da cidade não são famosas… A série televisiva homónima mostrava uma elite poderosa ligada ao negócio do petróleo mas corrupta como poucas. Este “Clube de Dallas” revela uma outra faceta, a de uma sociedade homofóbica, hipócrita e discriminadora. <br /> <br />E é precisamente aí que se move o animal Ron, um predador sexual, o exemplo de garanhão para quem as mulheres servem apenas para lhe dar prazer. E ele vai pagar bem caro a sua desvairada corrida: vê-se portador de HIV e acaba por contrair SIDA. Como se o cenário não fosse já suficientemente negro, o médico dá-lhe a visão da linha de chegada: dali a trinta dias. Desesperado, procura na medicina uma resposta. Há um novo medicamento, o AZT, mas como não vê surgir bons resultados, vai procurar outros, mesmo fora das fronteiras americanas. Apercebe-se, então, que há muitos outros infectados na mesma situação clínica, pelo que cria um posto de distribuição de medicamentos alternativos e ainda não autorizados pela inflexível FDA, o Infarmed americano… E, com isso, nasce um novo Ron… <br /> <br />O filme começa com um plano fantástico: a respiração ofegante de algo ou de alguém, que só consegue ver a arena de um rodeo através das tábuas. Um homem? Um touro? Acabámos por perceber que era um indivíduo enrolado sexualmente com duas mulheres. Aquele som animalesco confunde quem vê e confunde-se com a realidade daquele espaço. O simbolismo da imagem é evidente: aventuras sexuais são tão seguras como montar um touro preso apenas por uma corda – o mais provável é cair… Ron “cai”, assim como caem muitos outros. Ah! Mas Ron é diferente! Ele não tolera ‘paneleiros e larilas’, esses seres inferiores. Ele é o machão todo-poderoso que come as gajas todas que lhe aparecem pela frente. Mas a descoberta da doença muda tudo. Lentamente, apercebe-se que os tais seres que ele ostracizava, afinal são homens e mulheres tal qual ele, com dúvidas e receios, com pânico da morte. Rayon, um homossexual que se veste de mulher, acaba por ser o “Grilo Falante” de Ron, a consciência que o alerta - não por aquilo que faz, mas por aquilo que lhe vai acontecendo. Um dia, Ron perceberá que todo o ser humano merece respeito e deve ser tratado com a dignidade que merece. <br />Este é um filme sobre a viagem de alguém que tem a capacidade e a honestidade de se aperceber que está errado e de caminhar na direcção de uma melhor existência, consigo e com os outros, apesar da pouca que lhe resta. É um filme sobre tenacidade, sobre a força de vontade em lutar por algo que se acredita, algo útil não só para si, mas para muitos outros. <br /> <br />“O Clube de Dallas” sobe acima da média por via de duas enormes interpretações: as de Matthew McConaghey e a de Jared Leto, respectivamente como Ron e Rayon. Ambos passaram por alterações físicas, emagrecendo substancialmente para se ajustarem às personagens, no velho estilo do ‘Método ‘ de representação preconizado por Stanislavski e que teve grandes seguidores nos anos 60 e 70 do século passado. Mas, curiosamente, a magreza quase esquelética, mostra-se perfeitamente integrada no filme, já que está adequada às personagens, não tomando o protagonismo como por vezes acontece com o recurso a excessiva caracterização. McConaughey está soberbo, no papel do extrovertido e lutador Ron, cuja determinação teve como prémio ter conseguido roubar sete anos à sua quase imediata sentença de morte. Jared Leto, o band leader dos dispensáveis ‘30 Seconds to Mars’, está verdadeiramente irreconhecível, num registo secundário em claro underacting, reagindo, mais do que agindo, em relação a Ron. São eles a darem vida e alma a este filme, fazendo esquecer, por exemplo, a sofrível Jennifer Garner. A realização do canadiano Jean Marc Valée não adiante nem atrasa, tirando um ou outro episódio mais bem conseguido, confirmando que é um realizador sem grande chama, como se tinha visto em “A Jovem Vitória” e no confuso “Café de Flore”. Mas ainda vai a tempo de melhorar…
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