O fim do mundo
Miguel
Não li o livro de Michael Cunningham que está na origem deste "A Home at the End of the World", mas suponho que seja um projecto próximo do livro, uma vez que o argumento é do próprio escritor. Talvez isso explique o falhanço e a fragilidade deste filme de Michael Mayer. Mas é, de certa forma, esse falhanço, a falta de eficácia do filme enquanto estrutura narrativa, a fragilidade das personagens, às quais falta estatura e sopro - é, dizia, esse falhanço -, o maior triunfo do filme, porque o reduz àquilo que ele tem de essencial: uma crença inabalável na capacidade salvadora do amor, o amor como o lar possível e definitivo, a casa no fim do mundo.<BR/><BR/>O filme ensaia a possibilidade de o amor existir apesar, ou independentemente, das orientações sexuais e dos géneros. O filme tem um olhar "queer", mais do que propriamente gay, na sua proposta de uma família alternativa, um trio que consegue (consegue?) realizar um projecto harmonioso de família fora dos padrões da sexualidade dita normal. O que é comovente é o facto de, sendo falhado, o filme nos mostrar fatias, flashes, clarões, da possibilidade do amor "tout court", ou seja, não do amor homossexual ou heterossexual, ou, para o efeito, pansexual, mas do amor, apenas ele, somente o amor.<BR/><BR/>Paira sobre todo o filme a iminência do fim, está escrito naquela história, desde os planos iniciais, a sua tragédia. E no entanto, o filme mostra como a felicidade é possível, como ela vai florescendo mesmo no campo mais improvável. Eu sei que a banda sonora do filme é um recurso narrativo para nos ir situando ao longo do tempo, mas devolveu-me tantas canções fabulosas, tantas daquelas canções a partir das quais conseguimos quase traçar uma biografia.<BR/><BR/>O filme assenta em quatro personagens e deve muito à eficácia, ou não, das interpretações. Infelizmente, também aqui o filme não é muito conseguido. A Robin Wright Penn talvez seja a que assume com mais força a personagem, mas é mais ou menos notório que ela passa o filme à procura de um sentido para a sua personagem. Há ali uma hesitação muito grande que compromete a verosimilhança da personagem. A Sissy Spacek passa sempre bem e é, de todas, a personagem que melhor resulta, talvez porque seja a menos exigente. O Dallas Roberts tinha um grande desafio, pois pela sua personagem passa muita da ambiguidade que é o cerne desta história e destas personagens.<BR/><BR/>Finalmente, o Colin Farrell... bem, a personagem de Bobby é muito complicada, porque tem ao mesmo tempo uma grande linearidade, uma simplicidade, mas que nunca é transparente. Uma personagem assim, que é o catalisador de todos os afectos, o sedutor apesar de si próprio, mas que tem sempre uma transcrição quase literal, precisava de um grande actor, de um enorme actor, que fosse capaz de registar todas aquelas subtilezas e matizes que têm as pessoas de carne e osso, de carne e alma, sob pena de a personagem resultar um bocado apatetada.<BR/><BR/>E como todos sabemos, o CF não é um actor assim, que seja capaz de se ultrapassar, que seja capaz de dar o fôlego da vida às personagens que encarna. E é pena. Porque algum, se não a maior parte do fascínio deste filme, da sua irresistibilidade, reside no facto de Colin Farrell ser muito bonito, ser muito físico, ter um corpo que apetece amar e que serve na perfeição um personagem cuja maldição é a sua maior bênção, ou seja o facto de só ser capaz de despertar o amor nos outros.
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