Os últimos dias (ATENÇÃO: CONTÉM SPOILERS)
Rita Almeida - http://cinerama.blogs.sapo.pt/
"Le Promeneur du Champ de Mars" é um relato ficcionado dos últimos dias de François Mitterrand (1916-1996), Presidente da República de França entre 1981 e 1995. Mitterrand (Michel Bouquet) – ainda que o seu nome não seja referido no filme – é visto pela perspectiva de Antoine Moreau (Jalil Lespert), um jovem jornalista, convidado – à semelhança de Georges-Marc Benamou, autor do livro "Le Dernier Mitterrand" (1997) e co-argumentista deste filme – para escrever as suas memórias. A personagem de Antoine, ficcional, mais do que simbolizar o biógrafo de Mitterrand serve de agitador da sua memória e consciência.<BR/><BR/>Ele é o aprendiz, Mitterrand o mestre, de quem ele procura obter as últimas respostas, sobre a política, e sobre a vida. O fascínio de Antoine, por este ser carismático, experiente, hábil, inteligente, erudito, irónico, teimoso e indomável, roça o vampirismo, prejudicando, com efeito, a própria vida pessoal de Antoine.<BR/><BR/>Mais do que o fim de um mandato, este filme fala do fim de uma vida. Apesar de alguma insistência em esclarecer o papel de Mitterrand no Regime de Vichy em 1942, a política e os factos históricos são aqui largamente ignorados, a favor da evocação do fim de um reinado, de um monarca debilitado que recusa deixar-se dominar pela doença, como ele próprio diz "o último grande homem, na linha dos grandes imperadores da nação".<BR/><BR/>Guédiguian quis afastar-se o mais possível dos factos, evitando a reconstituição histórica e quaisquer sensacionalismos em torno da vida sentimental ou familiar de Mitterrand ou a responsabilidade do antigo chefe de Estado no descrédito a que a classe política francesa chegou. Com esta abordagem, Guédiguian protege-se de críticas mais ferozes e desenvolve um discurso mais universal. Ou reflecte apenas a dificuldade em questionar a história mais recente.<BR/><BR/>Michel Bouquet tem aqui provavelmente o grande papel da sua vida. Aliado a uma impressionante parecença física está o talento do retrato narcisista e solitário, pretensioso e megalómano do último defensor de um estado socialista, que surge como quase profético. Mas também do homem que se extasia perante as imensas matizes do cinzento ou as pernas de Julia Roberts. Os décors austeros reforçam a sensação de fim, e é esse fim que, por pudor, nos impede de fazer julgamentos. Isso é deixado à história e aos actos.
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