Tudo sobre as mães deles
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com - http://cine7.blogspot.com
Centrado numa temática recente e polémica - a legalização dos casamentos entre homossexuais em Espanha -, "Rainhas" ("Reinas") combina drama e comédia e segue os preparativos para o casamento de uma série de personagens gay, focando em particular o relacionamento destes com as suas mães. Actual e controverso, o filme é a mais recente proposta de Manuel Gómez Pereira, realizador de obras razoavelmente divertidas como "Porque lhe Chamam Amor Quando Querem Dizer Sexo" ou "Boca a Boca" (com Javier Bardem, antes da aclamação de "Antes que Anoiteça" e "Mar Adentro"). Tal como os títulos anteriores de Gómez Pereira, "Rainhas" é um filme que contém uma considerável componente "kitsch", visível logo no genérico inicial e presente em várias personagens e situações pitorescas.<BR/><BR/>Interligando uma série de figuras de várias origens que têm em comum um contacto relativamente próximo com a homossexualidade - e com todo o tipo de reacções que daí advêm -, a película oferece um olhar sobre as alterações socias da espanha contemporânea.<BR/><BR/>Vincado por cenas de humor negro e politicamente incorrecto, "Rainhas" aproxima-se, por vezes, de domínios próximos dos de Pedro Almodóvar, não tanto da sua fase mais recente mas do seu período mais irreverente e espirituoso (ou seja, o de "Kika" ou "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" e não tanto o de "Má Educação", ainda que este também se centre na homossexualidade, contudo com uma perspectiva bem mais soturna).<BR/><BR/>Um dos melhores ingredientes de "Rainhas" é a soberba direcção de actores, uma vez que o elenco inclui vários nomes de actrizes consagradas como Verónica Forqué, Cármen Maura, Marisa Paredes, Betiana Blum e Mercedes Sampietro, que desempenham o papel de mães dos noivos. É essencialmente sobre elas que incide o olhar de Gómez Pereira, e as suas diversificadas relações com os seus filhos gay orientam o decorrer dos acontecimentos.<BR/><BR/>Longe dos modelos do filme militante, "Rainhas" apresenta um interessante estudo de personagens que, através da temática da homossexualidade, abrange também as dos laços familiares, códigos sociais, (in)tolerância, amor e clivagens sociais, alternando entre episódios sérios e situações carragadas de humor (ora óbvio e populista, ora irónico e refinado).<BR/><BR/>Gómez Pereira gera aqui um dos seus melhores filmes, esculpindo um argumento envolvente, personagens carismáticas (embora sejam demasiadas e, por isso, algumas vão pouco além da caricatura) e um eficaz trabalho de realização, apostando numa narrativa com uma curiosa gestão do tempo que tem o mérito de não deixar o espectador descoordenado face a um conjunto de personagens tão vasto.<BR/><BR/>Funcionando como um muito agradável entretenimento mas também enquanto um pertinente retrato da realidade urbana espanhola dos dias de hoje, "Rainhas" comprova que é possível fazer um tipo de cinema simultaneamente acessível e relevante, equilibrando a marca autoral e a vertente comercial. De resto, estes elementos já são comuns em muitos exemplos da cinematografia espanhola recente, evidenciando algo que o cinema português ainda não é capaz de fazer regularmente. Um filme a ver, portanto... 3,5/5.
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