O Amor não tem "classe"...
Pedro Brás Marques
Por vezes, deparamos com filmes aparentemente simples mas que nos acompanham bem depois de abandonarmos a sala de cinema. É o caso desta proposta brasileira, “Que horas ela volta?”, centrada na vida duma empregada doméstica a trabalhar na casa dum casal da alta sociedade de São Paulo. <br />Val trabalha com eles há 13 anos. Veio de Recife e nunca mais voltou. Criou o filho do casal, Fabinho, por quem tem um verdadeiro amor maternal, algo que os pais nunca lhe conseguiram dar. Aliás, o pai é um ex-artista plástico e actual profissional da preguiça e a mãe entretém-se no mundo do social… Val vive sozinha, no “quarto dos fundos” e deixou para trás a filha, Jessica, que nunca mais viu. Mas, um dia, ela anuncia a sua vinda à grande cidade para realizar os testes de acesso à Faculdade. Hospeda-se em casa dos patrões e pela sua confiança e consciência social, acaba por causar uma série de mudanças e transformações na vida rotineira da família. <br />O Brasil, já o sabemos, é um país onde o fosso social entre ricos e pobres é enorme. E isso, claro, reflecte-se no comportamento e no relacionamento entre pessoas de estratos sociais diferentes. Val é submissa e reverente para com os patrões, que a tratam “bem” mas com marcada condescendência. A chegada da filha, jovem mas já bastante madura, traz problemas a este paraíso hierárquico. Só que o filme não é sobre isso. Ou melhor, não é exactamente sobre isso, mas antes sobre as relações humanas, em última análise, sobre o Amor. Porque esse não tem preço, não tem cor, não tem escada social, nem precisa de laços de sangue. É algo que nasce entre dois seres humanos apenas porque o são. E é essa a grande lição deste “Que horas ela volta?”, onde o Amor é apresentado como o grande motor da acção humana. <br />Quase tudo se passa dentro da mansão dos patrões de Val, um microcosmos muito bem criado e ainda melhor gerido por Anna Muylaert, que assina a realização e o argumento. Ao nível das interpretações, o destaque vai todo para Regina Casé no papel de Val, algo perdida entre a reverência perante os patrões e o amor pela filha. <br />Longe das duas grandes colunas onde o cinema brasileiro mais recente tem assentado, a comédia desbragada e os “policiais de favela”, este filme é surpreendente até pelos meios escassos empregues e por recorrer a actores de segundo plano. Porventura, a necessidade aguçou o espírito e, se assim foi, ainda bem, porque “Que horas ela volta?” é um filme que nos remete para aquilo que o cinema tem de extraordinário: contar uma história itemporal, cuja localização é absolutamente irrelevante. Aliás, já é o segundo filme brasileiro a aparecer por cá, depois do surpreendentemente negro “O Lobo atrás da Porta”. E confirma-se que por terras de Vera Cruz está em germinação um cinema interessantíssimo, “novo” e a merecer toda a atenção.
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