Kevin e o lobo
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com
Um dos temas mais polémicos e mediáticos dos dias de hoje, a pedofilia tem sido alvo de abordagens recentes na sétima arte. Nos últimos anos, títulos como o denso "Mystic River", de Clint Eastwood; o olhar documental de Andrew Jarecki em "Os Friedman"; o soberbo drama indie "L.I.E. – Sem Saída", de Michael Cuesta, ou o atípico "Birth - O Mistério", de Jonathan Glazer, têm gerado múltiplos olhares sobre esta questão complexa e delicada. "O Condenado" ("The Woodsman"), a estreia na realização de longas-metragens de Nicole Kassell, possibilita mais uma perspectiva sobre a temática. O filme centra-se em Walter (Kevin Bacon), que após cumprir uma pena de 12 anos devido ao abuso sexual de menores muda-se para um apartamento numa nova cidade e começa a trabalhar numa serração.<BR/><BR/>Tentando controlar os seus instintos, o protagonista procura uma conduta que se afaste do seu passado obscuro, mas a sua obstinação terá de lidar com alguns entraves à medida que os que o rodeiam se vão apercebendo do seu passado. Um atento retrato sobre a busca da redenção, "O Condenado" decorre em ambientes urbanos melancólicos e realistas, seguindo as convulsões e conflitos interiores de uma personagem relutante, soturna e desencantada. A realização de Kassell consegue fornecer a carga de inquietação necessária, apostando num estilo seco, árido e despido de artifícios, próximo de algumas outras obras do cinema independente norte-americano como "Monster's Ball - Depois do Ódio", de Marc Foster, com a qual partilha essas atmosferas de crueza e solidão.<BR/><BR/>Para além da subtileza da cineasta, "O Condenado" salienta-se como uma película bem conseguida devido à convincente interpretação de Kevin Bacon, actor que apresenta aqui mais uma prova do seu talento e versatilidade, num desempenho contido e discreto mas sempre denso e intrigante. O restante elenco também cumpre com eficácia, com destaque para Kyra Sedgwick no papel de uma colega de trabalho do protagonista, uma das personagens que mais de aproxima deste (curiosamente, a actriz é esposa de Bacon, o que ajudará a explicar a visível química entre os dois).<BR/><BR/>No entanto, apesar da competência dos secundários, "O Condenado" é nitidamente um filme de actor, vivendo sobretudo da prestação de Bacon, que oferece um sólido "one man show" e é determinante para que Walter seja uma figura humana, ainda que envolta num espectro de ambiguidades. Seria fácil etiquetar o protagonista como um "monstro" sem escrúpulos, enveredando por domínios escabrosos e de um choque gratuito, ou optar por apresentar uma banal perspectiva assente numa constante vitimização recorrendo ao melodrama de gosto duvidoso. Contudo, Nicole Kassell prefere seguir tons intimistas, desenvolvendo um envolvente e equilibrado estudo de personagem que tanto possui cenas algo desconfortáveis como momentos mais emotivos, num olhar justo e rigoroso.<BR/><BR/>O ritmo do filme nem sempre é o mais aliciante, mas o argumento é bem trabalhado e verifica-se um acerto na criação de ambientes, o que faz com que "O Condenado" seja uma obra relevante e com algo a dizer. Já é o suficiente para que o resultado consista num bom filme que revela uma cineasta promissora. 3/5 - Bom.
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