Muito amadas, sim, mas só entre elas...
Pedro Brás Marques
O valor e a importância da mulher no mundo árabe é um tema fracturante quando se comparam os seus direitos e, até, as suas condições de vida com o que se passa com as suas semelhantes no mundo ocidental. Mas o franco-marroquino Nabil Ayouch quis ir ainda um pouco mais longe e resolveu contar a vida de quatro prostitutas de Marraquexe, neste “Muito Amadas”. E armou uma controvérsia que levou, em Marrocos, o filme a ser proibido e as actrizes a serem perseguidas. <br /><br />O realizador optou por um registo muito próximo dum documentário, pouco revelando sobre o passado das quatro. Focou-se essencialmente num período temporal curto, em que acompanhamos as suas investidas junto de ricos empresários árabes que, na vertigem da noite, consomem álcool, droga e mulheres como se não houvesse amanhã. Pior, tratam-nas como se verdadeiros objectos fossem, prontos a usar e a deitar fora, humilhando-as de todas as formas possíveis. Elas não têm alternativas. São verdadeiros párias da sociedade e nem sequer se dignam a passear na rua de forma descontraída. Vivem com um homem, que as conduz, ajuda e até as protege, mas sem chegar a ser um proxeneta, já que o seu papel é completamente passivo, quase o de um criado. Mas há vida para lá da prostituição. Onde as personagens ganham alguma dimensão e onde as conhecemos na realidade, e não no papel que interpretam enquanto prostitutas, é nas conversas de sala e nas viagens de táxi. Ali contam as suas ambições, os seus sonhos, as suas esperanças. Sofrem, choram mas ajudam-se mutuamente. A forma como as quatro dormem, todas juntas, braços e corpos entrelaçados, como se fossem irmãs órfãs, é das imagens mais marcantes deste filme de Nabil Ayouch, que há quatro anos tinha apresentado o muito interessante “Os Cavalos de Deus”, sobre os atentados bombistas na praça Djeema El Fna, também em Marraquexe. <br /><br />As quatro actrizes acabam por interpretar quatro tipos diferentes de mulher, desde a insubmissa e irreverente até à inocente e inexperiente, umas completamente profissionais enquanto outras preocupadas com a vida para além do exercício da “profissão mais velha do mundo”. O registo visual é do tipo “câmara em punho” e toca a filmar, no claro intuito de tornar a acção o mais realística possível. O problema deste “Muito Amadas” não é esse é o de ser evidente que houve mais preocupação em mostrar, até em denunciar, a hipocrisia da situação e a violência a que as mulheres estão sujeitas, do que propriamente transmitir ou fazer sentir algo de mais profundo no espectador.
Continuar a ler