Sátira hollywoodesca no seu melhor
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
Shane Black é o argumentista de "Lethal Weapon" (1987-1998) e "The Last Boy Scout2 (1991), e isto não é para dissuadir ninguém de ver "Kiss Kiss, Bang Bang". Antes pelo contrário. Apesar de um passado discutível, a primeira realização de Black é uma bela surpresa, um filme de extremo bom gosto, com óptimos diálogos e que se delicia nos excessos de Hollywood. Usando como base os policiais de Raymond Chandler (cada um dos capítulos do filme leva o nome de uma história do autor), Black conta a história de Harry Lockhart (Robert Downey Jr.), um ladrão de pequena monta que, ao fugir da polícia, entra numa sala de audições, fazendo uma interpretação emocionante.<BR/><BR/>De um momento para o outro, está numa festa em Los Angeles, prestes a receber o papel que fará dele a próxima grande estrela de Hollywood. Para o seu trabalho de campo terá de acompanhar Gay Perry (Val Kilmer), um detective privado a sério, cuja alcunha "gay" não surgiu por acaso. Subitamente, eles encontram-se envolvidos numa série de misteriosos assassínios.<BR/><BR/>Em Los Angeles, Harry encontra a sua paixão de infância, Harmony Faith Lane (Michelle Monaghan), uma das muitas aspirantes que sonham com o êxito e que, ao fim de 15 anos de audições, tem apenas um anúncio de cervejas no curriculum. A paixão de Harmony pelas histórias de detectives de Jonny Gossamer, de que tanto gostava na sua infância, não desaparece quando também ela entra no meio de uma.<BR/><BR/>À semelhança de "Lethal Weapon" também este é um buddy-movie, com a vantagem de que existe muito mais química entre Downey Jr. e Kilmer do que alguma vez existiu entre Danny Glover e Mel Gibson. Cheio de coincidências e absurdos, com pessoas a morrerem abruptamente, os vivos mantendo-se vivos apenas por um fio, e as páginas virando-se indiferentes a tudo, este filme tem o mérito de nos envolver durante todo o passeio.<BR/><BR/>Harry Lockhart é, simultaneamente, protagonista e narrador desta história. E, se a sua personagem é cheia de defeitos, como narrador também deixa algo a desejar, interrompendo a história para voltar atrás e contar algo de que se esqueceu e dirigindo-se mais do que uma vez directamente ao espectador, nem sempre de forma mais elogiosa. Mas em nenhum momento estas interrupções são intrusivas, dada a inteligência com que são feitas.<BR/><BR/>Não fosse tudo o resto, este filme valeria a pena somente pela deliciosa e enérgica e interpretação de Robert Downey Jr., em grande forma e com uma naturalidade surpreendente, agarrado à única coisa que em Hollywood faz sentido: um bom argumento. Val Kilmer é totalmente convincente no seu charme gay e no seu sarcasmo, e é evidente o divertimento que foi fazer este filme. Michelle Monaghan não fica atrás destes dois pesos pesados, numa mistura de força, sentido de humor, desespero, perigo e sensualidade.<BR/><BR/>Black brinca com as regras dos filmes de acção, e é aqui que o passado está a seu favor, porque ele não só conhece todos os clichés, como os controla e manipula segundo os seus intentos, dando-nos uma visão cínica da cultura cinematográfica. Mais um olhar satírico ao seu próprio umbigo. Algo em que Hollywood se supera.<BR/><BR/>P.S. - Caso se façam a mesma pergunta que eu no final do filme, é Robert Downey Jr. que canta a canção "Broken", do seu álbum de 2004, "The Futurist".
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