Desperdício de fortes interpretações
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
Brenda Martin (Julianne Moore) entra nas emergências de um hospital em estado de choque e com as mãos cobertas de sangue, dizendo que o seu carro foi roubado perto de Armstrong Houses, um bairro social de negros. Lorenzo Council (Samuel L. Jackson) é o detective encarregue da investigação, ele próprio oriundo de Armstrong. À beira da histeria, Brenda acaba por dizer que o seu filho de quatro anos, Cody (Marlon Sherman), se encontra no banco de trás do carro. Ao saber da notícia, o irmão de Brenda, Danny Martin (Ron Eldard), detective na cidade vizinha de Gannon, parece querer precipitar a resolução do caso, e rapidamente um destacamento da polícia de Gannon (maioritariamente branca) cerca o bairro de Armstrong, proibindo os residentes de sair até que o criminoso seja preso.<BR/><BR/>A tensão no bairro vai aumentando, à medida que chegam cadeias de televisão para cobrir o caso. Lorenzo vê-se pressionado entre o bairro que conta com ele e o seu dever profissional para com Brenda, sobretudo porque sente que esta não lhe está a contar toda a história. Para o ajudar, conta com a colaboração de Karen Colluci (Edie Falco), a líder de um grupo que procura crianças desaparecidas.<BR/><BR/>"Freedomland", cujo argumento foi adaptado por Richard Price, autor do livro no qual o filme se baseia, ambiciona levantar questões fortes sobre as relações raciais, a responsabilidade parental, a dor e a culpa. Mas Joe Roth parece estar tão desesperado por dizer algo que, no processo, se esquece do que pretende realmente dizer. A falta de consistência da história é evidente no pouco tempo dado ao conflito em Armstrong, como se este fosse apenas um pano de fundo, e ficamos sem acompanhar devidamente o crescendo de raiva e tensão que se vai criando.<BR/><BR/>Samuel L. Jackson tem aqui uma interpretação emocionalmente honesta, a sua intensidade dirigida ao exterior contrastando com a abordagem introvertida de Julianne Moore. Apesar da sua personagem despertar pouca compaixão, Moore domina a complexidade das suas várias dimensões, algumas mais tortuosas. E Edie Falco ("Sopranos"), como uma mãe em sofrimento, orgulhosa da sua lealdade com o filho desaparecido e da sua teimosia em não continuar com a sua vida. A cada uma destas actrizes é dado um forte monólogo, perturbante e desconfortável.<BR/><BR/>Mas todo este esforço dramático é desperdiçado em falhas como arcos de personagens deixados em aberto ou o pouco sentido que faz Lorenzo tirar tempo a uma investigação urgente para ir ver o seu filho à cadeia. Percebe-se que a cena tem o propósito de mostrar a auto-recriminação pelo seu insucesso como pai, mas fica-se com a sensação de ter sido filmada sem saber onde iria ser encaixada. E é esta a ideia geral com que se fica de um filme que tem mais olhos que barriga.<BR/><BR/>Quem tenha prioridades mais urgentes no cinema (Aviso: vão ver o "The New World" de Terrence Malick) poderá deixar "Freedomland" para trás sem remorsos. Nota: 2/5.
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