O amor e a solidão, numa visão original e audaciosa
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
"Me And You And Everyone You Know” é um filme lindíssimo sobre o amor, a pertença, a solidão, sobre a ligação entre amigos, entre amantes, entre familiares, com tudo e com todos. Esta fé no valor de todas as coisas evidencia-se desde logo numa das cenas iniciais: um peixe está dentro de um saco de plástico em cima de um carro em andamento. A travagem será o seu fim, só se salvaria se o carro andasse à mesma velocidade, para sempre. Premiado em Cannes 2005 com a "Caméra d’Or" e em Sundance com o Prémio Especial do Júri pela originalidade da sua visão artística, é este tom de magia que marca o filme escrito, dirigido e interpretado por Miranda July, cujo passado artístico inclui as artes performativas, vídeos, contos e peças radiofónicas.<BR/><BR/>Christine (Miranda July, à frente de um elenco irrepreensível) é uma artista que luta pela sua arte. Para pagar as contas guia um táxi para idosos. Ao levar Michael (Hector Elias), um cliente, para comprar uns sapatos, Christine apaixona-se à primeira vista por Richard (John Hawkes), um vendedor recém-separado da mãe dos seus dois filhos: Robby (Brandon Ratcliff) de 7 anos e Peter (Miles Thompson) de 14.<BR/><BR/>Andrew (Brad William Henke), colega de trabalho de Richard, é seduzido por duas adolescentes, Heather (Natasha Slayton) e Rebecca (Najarra Townsend), com a sexualidade a despontar e uma amizade à prova de bala. Nancy (Tracy Wright) é a arrogante directora de uma galeria de arte. Sylvie (Carlie Westerman), filha da vizinha de Richard, vive obcecada com o seu enxoval. Eles são solitários e estranhos, pessoas perdidas e frágeis, mas que não são nunca objecto de pena. Eles são eu, tu, e todos os que conhecemos.<BR/><BR/>Sem esforço, deixamo-nos envolver por um mundo poético, delicado, curioso, mas também ousado e corajoso. “Me And You And Everyone You Know” é de uma ironia desarmante, com diálogos incríveis e uma linguagem simbólica onde se plasmam as ansiedades do crescimento, mas onde o optimismo impera.<BR/><BR/>Sem pretensiosismo académico, “Me And You And Everyone You Know” é simultaneamente existencialista e erótico, abordando a vida sexual dos adolescentes, os seus jogos e rituais de passagem, sem moralismos; ou um encontro cibernáutico pleno de um humor escatológico, onde a sinceridade infantil contrasta com a pornografia; ou a desconcertante imagem de uma árvore em cujos ramos está preso um quadro de um pássaro.<BR/><BR/>Numa das cenas mais românticas e bem escritas que vi, Christine e Richard caminham lado a lado à saída da loja, cada um em direcção ao seu carro. Imaginam que o caminho que fazem é o tempo de vida que têm juntos. Isso quer dizer que chegando a Tyrone Street (onde se têm de separar) é o final da sua relação. Richard vê o caminho da loja até ali como se fosse um ano, Christine como se fosse o resto da sua vida e Tyrone Street representasse a morte. Este filme faz a crónica do seu caminho em direcção um ao outro, um Richard relutante e uma Christine obsessiva.<BR/><BR/>“Me And You And Everyone You Know” é um filme doce, divertido, inteligente e apaixonado, de uma beleza de tirar o fôlego, com uma alma transbordante e um coração descompassado. Assim como na vida, a inocência perde-se, e reencontra-se, perde-se e reencontra-se... Para sempre. Nota: 10/10.
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