Bater ou correr em Londres
Ricardo Pereira
"Em Defesa de Sua Majestade", de David Dobkin, retoma a parceria de Jackie Chan e Owen Wilson, dupla responsável pelo divertido "Shanghai Noon" de 2000. Desta vez, contudo, a série deixa o faroeste de lado para mostrar uma aventura na Londres do final do século XIX. Desde as primeiras cenas desta continuação, uma coisa fica clara: o argumento, entendido como encadeamento narrativo e desenvolvimento de personagens, não terá a menor importância nem por um segundo. Porque "Em Defesa de Sua Majestade" é um filme que obedece a uma lógica muito mais perto da do cartoon do que do cinema de acção: tudo é possível, nada é implausível ou sem lógica. E esta é uma de suas principais qualidades. É delicioso ver, na verdade, como um filme que tem todas as características de um autêntico filme de classe B é hoje em dia produzido com pompa, circunstância e milhões de dólares por Hollywood. Só que, para sorte dos realizadores e nossa também, sem nunca perder com isso nem um pouco da sua diversão. Há três segredos para o sucesso deste filme dentro das convenções do género que se propõe a seguir: o primeiro e mais importante é a química irretocável entre seus dois protagonistas. Que Jackie Chan é uma das figuras mais divertidas a jamais aparecer numa tela de cinema, disso não temos dúvida, e sua persona ficou especialmente farsesca após a ida para os EUA (note-se como ele ri de sua própria dificuldade com a língua). O humor "cool" de Owen Wilson funciona às mil maravilhas como oposição à acção de Chan. Wilson tem a fonte do seu humor nos tempos inesperados, nas frases autocríticas e sempre referenciais, e os dois tipos de piada complementam-se muito bem, como se pode ver na cena da guerra de travesseiros, uma das melhores do filme. O segundo segredo do filme é deixar Jackie Chan à vontade, exercendo o máximo da sua criatividade nas cenas de luta, que estão novamente (após o fracassado "The Tuxedo") cheias de frescor, graça e um autêntico maravilhamento. A primeira luta depois da ida dos personagens para a Inglaterra, com uma homenagem a "Serenata à Chuva", é sensacional. E o terceiro segredo está exactamente na Inglaterra. Brincando com todo tipo de concepção sobre a ilha, o argumento consegue fazer-nos identificar constantemente citações (que vão da banda sonora a personagens secundários) e torná-las cómicas pelo deslocamento temporal inesperado (o filme passa-se no fim do século XIX, lembre-se): há o uso de locais como Stonehenge, o Palácio de Buckingham ou o Big Ben, e citações a figuras como Jack o Estripador, Sherlock Holmes, Harold Lloyd e Charles Chaplin. Todas elas funcionam muito bem, deixando o filme caminhar num ritmo delicioso. A união de cada um destes elementos faz de "Em Defesa de Sua Majestade" um filme do qual dificilmente se lembrará muita coisa ao final da sessão, mas certamente saberemos que nos divertimos muito enquanto assistíamos. E que assistiríamos de novo sem problemas. O que não é pouca coisa em matéria de cinema hoje em dia. No entanto, se você não aceita que o cinema tenha uma dimensão lúdica, desista de Jackie Chan e seus filmes. Sua mistura de acção e humor não é feita para estimular grandes reflexões nem sobre a arte nem sobre a vida. O realizador David Dobkin veio da publicidade e do vídeo-clip. São linguagens que tendem a destruir o espaço real dramático por meio da montagem – algo que remonta, lá atrás, a Eisenstein, quando seu método se inviabiliza –, mas ele não chega a tanto porque o que lhe interessa é mostrar a construção do gag e a coreografia da acção. São detalhes que enriquecem o filme que um certo preconceito em relação a este tipo de filme impedem muitas vezes de serem reconhecidos e destacados.
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