Quase falhados
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com e http://cine7.blogspot.com
Chegando a salas nacionais depois de ter sido quase unanimemente arrasado pela crítica norte-americana, "Elizabethtown", o mais recente filme de Cameron Crowe, é, como o são a maioria das obras do realizador, mais um relato do quotidiano de pessoas aparentemente simples e palpáveis, que recorre a um ponto de partida que de refrescante não terá muito, propondo mais uma variação sobre o modelo "boy meets girl". Contudo, apesar de recorrente no cinema (e não só), esse é também o modelo que está na base de todas as grandes histórias já contadas e que aqui é trabalhado com especial engenho e sensibilidade, para o qual contribui, sobretudo, um cuidado tratamento do argumento, que embora parta de premissas pouco originais apresenta um desenvolvimento inesperado e cativante.<BR/><BR/>"Elizabethtown" é, em poucas linhas, um olhar sobre a experiência do falhanço de Drew, um jovem designer de uma grande empresa de calçado desportivo cujo projecto se revela um abismal insucesso, colocando em causa não só a sua carreira mas também a reputação dos seus colegas e patrões. Face a esta abrupta desilusão, o suicídio surge como uma tentadora hipótese a considerar, mas não chega a ser consumado pois entretanto Drew depara-se com a notícia da morte do pai, sendo solicitado pela mãe e irmã para tratar do funeral na cidade natal deste, Elizabethtown, para onde se desloca. As surpresas, no entanto, não acabam aqui, pois durante a viagem de avião Drew trava conhecimento com Claire, uma luminosa e desconcertante hospedeira que será uma figura determinante no seu percurso a partir daí.<BR/><BR/>Nas mãos de um qualquer tarefeiro de Hollywood, esta poderia ser a base para um filme igual a tantos outros e facilmente esquecível, mas Cameron Crowe, mesmo com uma filmografia irregular, já provou que é mais do que isso, e "Elizabethtown" é provavelmente o melhor exemplo para o confirmar. Intimista e pessoal, é uma película que se aventura por vários territórios mas não chega a decidir-se por nenhum, combinando traços do drama familiar, comédia romântica e "road movie" e gerando uma mistura que, apesar de desigual, é estranhamente envolvente e irresistível.<BR/><BR/>Sim, o desenlace poderá ser previsível e o filme não é propriamente um prodígio de inventividade, mas tem uma assinalável capacidade para reciclar perspectivas sobre temas já por demais focados – o surgimento do amor, a morte, o conflito interior, o regresso às origens, a relação com a figura paterna, o crescimento, a singularidade da América profunda ou (a falta de) comunicação -, impondo-se como uma obra subtil e inteligente, mas também acessível e emotiva.<BR/><BR/>Baralhando os limites entre a comédia e o drama, alternando sequências de grande carga dramática com momentos espirituosos e reluzentes, recorrendo a personagens "offbeat" que não deixam de ser verosímeis (e sempre tratadas com um óbvio carinho e respeito) e a situações à partida desconcertantes mas que se revelam depois essenciais, "Elisabethtown" conta ainda com uma marca idealista que já é habitual nos trabalhos de Crowe, e que se apresenta bem mais equilibrada do que em alguns dos seus projectos anteriores (se o desequilibrado e algo meloso "Jerry Maguire" era um teste à paciência dos mais cínicos, aqui os riscos de enjoo são mais reduzidos).<BR/><BR/>Igualmente decisiva em todas as películas do cineasta é a banda sonora, e "Elizabethtown" não é excepção, proporcionando um recomendável cardápio de canções clássicas e recentes, onde U2, Ryan Adams, Wheat ou Tom Petty convivem sem dificuldades e são perfeitas para as atmosferas do Kentucky, atingindo o pico de intensidade no inebriante epílogo. Não se limitando a funcionar enquanto mero papel de parede com som, é evidente que, para Crowe, a música pode dar um contributo essencial para a expressão e definição de estados emocionais, ideia que, de resto, o par protagonista também partilha (atente-se ao presente que Claire oferece a Drew), tornando o intimismo do filme ainda mais conseguido.<BR/><BR/>Inevitável é, também, a referência ao contributo dos actores, em especial ao de Susan Sarandon, responsável por um dos momentos mais intensos (e obtusos) do filme, e aos do duo principal. Kirsten Dunst já se distinguiu há muito de tantas outras meninas bonitas de Hollywood, voltando a oferecer um desempenho sem falhas e uma personagem atípica mas com a qual é difícil não sentir empatia; já Orlando Bloom é uma agradável surpresa, conseguindo uma composição segura e empenhada, apostando num "underacting" que o favorece e afastando-se dos limitados desempenhos que vincaram o seu percurso até aqui.<BR/><BR/>Hábil director de actores, Crowe congrega aqui dois protagonistas que possuem uma química visível e uma dedicação entusiasmante, o que faz com que a história de amor funcione e se eleve a uma das mais belas que se desenrolaram no grande ecrã em 2005. Em suma, quem procurar um filme delicioso não pode passar ao lado de "Elizabethtown". 4/5 - Muito bom.
Continuar a ler