Vira-casacas
Raúl Reis
Clive Owen é um rapaz inevitável. Nos dias que correm ninguém consegue ir ao cinema sem cruzar o olhar sorumbático do actor inglês. “The International” e “Duplicity” são os dois filmes em que Owen é protagonista, ao lado de duas grandes actrizes: Naomi Watts e Julia Roberts. Owen é rapaz para 44 anos, a caminho dos 45, e aparentemente é feliz com a sua mulher e dois filhos. Com formação em artes dramáticas, começou a carreira em filmes ingleses e no teatro. Foi uma peça de teatro, “Closer”, que ao ser adaptada ao cinema em 2004, lhe ofereceu uma projecção verdadeiramente internacional. Seguiram-se filmes como “Inside Man” e “Elizabeth: the Golden Age”. Apesar do seu charme discreto, Clive Owen perdeu para Daniel Craig a corrida para ser James Bond. Owen tem o mesmo tipo de charme de Craig, mas tem um bocadinho mais de classe que poderia ser útil ao agente secreto mais famoso do mundo. No filme “Duplicity”, Owen contracena com Julia Roberts. Os dois actores já se tinham cruzado em “Closer”, o que certamente contribuiu para a cumplicidade que se sente em todas as cenas em que o casal se encontra. Esta afirmação pode parecer paradoxal já que as personagens que Owen e Roberts encarnam não têm absolutamente nenhuma confiança um no outro. Ray Koval (Clive Owen) é um agente do MI6, os serviços secretos britânicos, e Claire Stenwick (Julia Roberts) trabalha para a CIA. Um dia encontram-se no Dubai, dormem juntos e Claire rouba importantes documentos a Ray. Os encontros subsequentes são tórridos, até que o casal decide dar um golpe para poderem reformar-se juntos faustosamente. É difícil contar mais sem estragar o prazer da primeira hora de filme. “Duplicity” surpreende o espectador com um ritmo acelerado e uma excelente sucessão de reviravoltas. Ninguém é aquilo que parece e nada é como se espera. Infelizmente, o realizador e argumentista Tony Gilroy, abusa das incertezas e o jogo das mentiras acaba por cansar. Talvez o própio Gilroy estivesse cansado também já que o filme perde ritmo a partir da metade, acabando num anti-clímax que se torna previsível já que vamos aprendendo ao longo das duas horas que não se pode confiar em ninguém. Tony Gilroy é bom neste género de história, ou não fosse ele o autor da série “Bourne” e “Michael Clayton”. Curiosamente, o melhor momento filme é o genérico inicial em que os chefes das duas empresas concorrentes (Tom Wilkinson e Paul Giamatti) se defrontam numa pista de aeroporto, numa cena filmada em câmara lenta. Clive Owen e Julia Roberts são excelentes. A Owen pede-se que seja sério e reservado e é isso que o inglês fornece sem falhas. Julia Roberts é mais expansiva, mas consegue deixar o espectador a duvidar permanentemente. Numa cena em que ouve uma confissão de uma mulher que dormiu com a personagem de Owen, Roberts consegue uma ausência de expressão desconcertante. Um mistério resta por explicar: porque é que a personagem interpretada por Owen nunca muda de camisa. Ou melhor, em todas as situações, com ou sem gravata, Ray veste sempre uma impecável camisa branca. Curioso, num filme em que todas as personagens são verdadeiros vira-casacas totalmente incapazes de dar a camisa por um amigo.
Continuar a ler