O que é Drawing Restraint?
André Dinis Nacho
"DR9" não é um filme (é certo), mas também não é, como alguns vão vomitando, um poema visual. "DR9" é um estímulo que entra directamente pelos nervos visuais e auditivos para o córtex, lóbulos e neurónios mais-que-mil, produzindo aquilo que melhor será descrito como pirilampos que relampejam pelo interior do crânio incessantemente. Perdão, terei dito que relampejam? Não, de facto explodem com a força de várias giga-toneladas e produzem ondas de choque que, pelo menos por enquanto, não vejo que possam desaparecer. É daqueles filmes que, após terminarem, criam uma bolha à nossa volta que nos afirma que a realidade não é aqui, é lá, num mundo simbólico, ritualista, por vezes abstracto ao ponto de queimar um ou outro fusível numa teoria que se vai construindo (julgamos nós) à volta do que nos entra (nunca) apressadamente pelos sentidos mais humanos...<br/><br/>Mas o filme não é humano, nós deixamos o humano assim que a realidade (essa sim real) do filme se torna nossa. Bem podia ter sido atropelado, assassinado, esborrachado após ter saído do conforto da pequena casa-cinema que por nada daria, tão cerebral ou espiritual eu estava, num verdadeiro estado catatónico, quiçá vivencialmente apocalíptico. Contudo, talvez tudo isto seja enaltecido pela nunca antes vivida experiência de estar na casa-cinema absoluta e existencialmente sozinho.<BR/><BR/>Repito, o que é "Drawing Restraint 9"? É simples e complexo, nunca trivial, explícito e implícito… Mas é, sucintamente, uma análise sobre a perfeição. E a perfeição encontra símbolo definido, identificado, repetido e visto (poder-se-ia introduzi-lo como caracter no dicionário): é a imagem formada por dois pseudo-semi-círculos rasgados por um segmento de recta. A perfeição é binária, cada pseudo-semi-círculo representa uma parte de nós, de homem-mulher, de criação destruição, de Eros e Thanatos, de Yin e Yang; e escusado será dizer que a reunião seria a almejada perfeição (projector de luz divina sobre alguém que olha com fé para o céu com mãos em pose suplicante).<br/><br/>Mas isso não é possível, não existe reunião, o pequeno segmento de recta não o permite, é a barreira que apesar de nos deixar imaginar a reunião dos dois pseudo-semi-círculos (tal como imaginamos, e tão bem, a perfeição) não a permite. Poder-se-á pensar, “é o erro de Deus”, “é o que nos torna humanos”, “é o limite do espírito” e poder-se-á pensar bem. Mas uma coisa é certa: o que o filme nos mostra é que a perfeição existe assim completa, com o segmento de recta e tudo, e que anulá-lo é destruir as duas partes que se tentam tocar "ad eternum". A imagética está lá para provar os fundamentos desta teoria e é perceptível, vejam-na, até no uso da cultura nipónica e seus rituais se comprova essa ideia... Pois que outra cultura é que através do minimalismo, miniaturização, rituais milenares, certos, ritmados, geométricos, procura essa perfeição incessantemente, sem, porém, a conseguir plenamente encontrar?<BR/><BR/>"Drawing Restraint 9" é uma obra supra-autor e supra-espectador, é daquelas maravilhosas coisas (doce/amarga) que existe fora do plano de qualquer um e que ninguém, nem o autor, pode plenamente compreender. Está lá fora, para agarrar, cortar um bocado e provar, mas não é nem do Matthew Barney, nem da Björk, e muito menos meu.
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