Maridos e mulheres
Gonçalo Sá - http://gonn1000.blogspot.com
Baseado em dois contos de Andre Dubus ("We Don't Live Here Anymore" e "Adultery"), a segunda longa-metragem de John Curran aborda o quotidiano das relações conjugais, debruçando-se sobre a temática da traição e da infidelidade. Vencedor do Prémio Waldo Salt - Melhor Argumento no Festival de Sundance de 2004, o filme é mais um dos bons exemplos do cinema independente norte-americano que vai chegando, de forma mais ou menos discreta, a salas portuguesas. Se outros méritos não tivesse, a película destaca-se de imediato pela carga de talento dos seus protagonistas, Mark Ruffalo, Laura Dern, Peter Krause (da série "Sete Palmos de Tera") e Naomi Watts, quatro nomes em ascensão no universo cinematográfico actual.<BR/><BR/>Embora a obra não apresente nada realmente novo ou de superlativa criatividade - é mais uma perspectiva das dificuldades das relações humanas e da crise de afecto entre dois casais - consegue cativar e envolver devido à considerável química dos actores e à forma credível com que estes interpretam as suas personagens. O argumento, sóbrio e suficientemente denso, capta as subtilezas do quotidiano e permite entrar no âmago da conturbada esfera emocional dos dois casais, expondo uma complexa teia de comportamentos onde a amizade, o amor e o companheirismo se misturam e confundem.<BR/><BR/>Os apaziguados ambientes rurais do filme escondem uma atmosfera que contém um intenso turbilhão emocional, onde os limites das personagens são testados e a confiança se encontra não muito distante da traição. Nem sempre é fácil compreender as motivações ou criar empatia com os dois casais, uma vez que o realizador coloca a nu as suas fragilidades e imperfeições, tornando-os, para o bem e para o mal, dolorosamente humanos e verosímeis.<BR/><BR/>De resto, este é um dos pontos fortes do cinema independente norte-americano, que consegue surpreender devido aos soberbos estudos de personagem que frequentemente proporciona. Não é por acaso que alguns momentos de "We Don't Live Here Anymore - Desencontros" demonstram paralelismos com os recentes "XX/XY", de Austin Chick, ou "Antes do Anoitecer" ("Before Sunset"), de Richard Linklater, outras meritórias incursões pelo espectro emocional de jovens adultos em crise. <BR/><BR/>Seco e absorvente, o filme desenrola-se a um ritmo lento, mas não entediante, uma vez que Curran guarda revelações suficientes para manter o interesse e fornece uma intocável direcção de actores (o par Ruffalo/Dern é particularmente excepcional). "We Don't Live Here Anymore - Desencontros" não efectua o golpe de aza que lhe permita juntar-se às obras geniais, mas também não deixa de ser uma das mais refrescantes estreias do final de 2004, apresentando personagens de carne e osso. Um drama melancólico e consistente, sem excessos melodramáticos nem manobras de sedução fácil. Classificação: 3/5 - Bom.
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