Debaixo da Pele
Fernando Castro Lopes
'Debaixo da pele' <br /> <br />CONTÉM SPOILERS <br /> <br />Todo o filme gira em torno de Scarlet Johansson, sob um panorama escocês de paisagens e bosques estonteantes e ruas e ruelas sinuosas, com uma pressão constante de humidade, céu pardacento e frio inclemente. As personagens escocesas parecem, pelo linguajar e pelas réplicas nas falas, tão estranhas e bizarras quanto extra terrestres também. <br /> <br />Estória exótica de mudança, com uma visão singular, por vezes a roçar o mal acabado, só não descendo ao ridículo porque Glazer, apesar de tudo, se mantém fiel a um padrão diegético austero e de parcimónia dialogal, diria mesmo, nalguns aspetos, minimalista. Filme que de tão incomum se torna original. Porém, espera demasiado dos espetadores: que infiram umas tantas coisas sobre a atividade alienígena e que daí retirem alguma coisa intelectualmente interessante ou que, no mínimo, sirva algum fio narrativo ou seja profícuo à fruição, já que a nossa vulgar perceção não é particularmente espicaçada. Trata-se de um confronto entre espécies sem qualquer razão cavada atendível. Se isto não fosse suficiente para denotar aqui um certo falhanço, as poucas vezes em que a protagonista, sempre em primeiro plano (interpretada por Scarlett Johansson) estabelece diálogo com as suas potenciais presas, seduzíveis (preferencialmente solitárias, celibatárias ou a viverem sozinhas), a tónica é simplista, linear, posto a abordagem ser sistematicamente idêntica aduzindo uma espécie de pobreza conversal digna de um Big Brother ou dos apanhados; não que seja o palavreado demasiado indigente, mas simplesmente, na sua redução sistemática, faz um apelo reiterado centrado na apetência dos machos da espécie humana pela aparência feminina como uma fraqueza digna do engodo do peixe no anzol. Scarlett Johansson interpreta bem, diga-se, o papel que lhe coube, qual extraterrestre predadora. Contudo, à exceção da parte final, que convoca a identidade e chama o constructo da personalidade como um jogo de máscaras que assoma à flor da pele em tensão e questionamento com o que lhe vai debaixo, não topamos com uma colocação motivadora para o espetador de qualquer problema relativo à espécie sobre o qual devamos refletir, nem tampouco os invasores parecem reclamar em nós qualquer incómodo digno de nota. Por outro lado, e por último, este produto – de recursos relativamente exíguos e baixo orçamento, mas um tanto estilizado, isto é, de pendor visualista, no sentido em que praticamente todo o significante é conferido pela imagem -, pareceu, por causa disto, esmorecer bastante quando aquela vertente decai, ou seja, quando a personagem de S. Johansson se começa a comover (um tanto súbita e inexplicavelmente) com os humanos com que, anteriormente, lidava com uma indiferença, calculismo e frieza consideráveis, sem qualquer piedade. Com efeito, parece, por momentos, ao acercar-se mais da condição humana, sentir alguma empatia ou detetar elementos que lhe parecem tão dela como dos humanos, altura em que inicia, na aparência, a amar – numa espécie de esboço (e, curiosamente, sente também cansaço, antes inexistente). Mas, agora, quando a personagem é abeirada ou permeada de uma alteridade humanoide introspetiva – ou mutação interior -, o filme perde algum vigor estético e não se coaduna com este lance sob a preservação da pele que pode enquadrá-la neste espaço terreno, onde, já desertora relativamente aos seus, quer restar. Era requerida uma sensibilidade diferente, um apelo sensorial outro. Não deslumbra – permanece numa espécie de fímbria á espera de um destino que lhe seja consequentemente dado. <br /> <br />3 *** <br /> <br />nando.niro@gmail.com
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