Como todos nós
Patrícia Mingacho
Cresci a ouvir falar de um Brasil cheio de assimetrias e, talvez por isso, até há bem pouco tempo, não tinha grande vontade de conhecer este país. Havia Caetano, Chico, Elis Regina e tantos mais e esses sim, eram maravilhosos. Havia as telenovelas que, um dia, fui impedida de ver, já que aquilo que escrevia tinha um som a Brasil. Havia também o cinema mas, nessa altura, aquilo que vinha desse país longínquo não tinha grande efeito em mim e esta sensação de desencanto, com excepção de “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” persistiu até há bem pouco tempo. No ano passado, porque o filme era Sónia Braga decidi passar por uma sala de cinema e pincelar o meu tempo com “Aquarius” e, num assombro, vi a fibra de que são feitas as mulheres, a garra com que se agarram àquilo em que acreditam e senti que, naquela tela, estava muito do sofrimento e da sensibilidade das mulheres. <br />Ontem, num processo de repetição de movimentos, voltei a pisar o El Corte Inglês, voltei a olhar para uma tela pincelada com as cores do Brasil e, mais uma vez, o assombro de um filme real tomou conta de mim. Ontem, mais uma vez, a tela era um hino às mulheres, um hino a um quotidiano de abnegação pelos outros. Ontem, naquela tela, vi a poesia da vida, naquela paleta de cores e sentimentos estava também eu e as dialécticas que vou criando com os outros. Há filmes que nos marcam pela sua excentricidade e outros há que nos tocam pelo seu realismo, pela sua simplicidade: “Como nossos pais” é a poesia do real. As personagens, com as suas idiossincrasias, somos também nós como se, na generalidade, encontrássemos cada identidade. Há filmes que merecem ser vistos e pensados vezes sem conta já que, na sua análise, reside um olhar para dentro de nós. Num dos momentos mais bonitos do filme, uma das personagens diz-nos que o desejo da perfeição é não mais que a tentativa de nos livrarmos da frustração de sermos de carne e osso, essa sensação insossa que não somos mais do que humanos. Somos cambaleantes num tempo em que chegamos sem nada saber e partimos com a sensação de tanto termos aprendido. Nas horas desassossegadas daquela mulher, viajamos por mentiras, desassombros mas, apesar de tudo e por tudo, há sempre aquela centelha que nos desperta de um certo torpor, há sempre aquela capacidade que temos porque soubemos amar e fomos amados. Há sempre um acordar carregado com a leveza daqueles que amamos, há sempre tanta coisa que persiste e que nos leva a sorrir. Está tudo lá, como dentro de nós!
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