Um poema sem palavras
Helena F.
Quando ontem me dirigi ao cinema Nimas em Lisboa para ver "Aurora" de F. W. Murnau, fui apenas animada por um amor cinéfilo imenso e desconhecia que este filme partilhara com "Wings - Asas" o Óscar para Melhor Filme no primeiro ano em que os prémios da Academia foram entregues (1929). François Truffaut disse que este era "o mais belo filme do mundo" e enquanto o vemos o sentimento que nos invade, se não é esse mesmo, é deveras similar. Mudo, filmado a preto e branco, o filme é uma história de amor, plena de encanto e sensibilidade, que nos faz sorrir e chorar, que nos toca com uma pureza e uma beleza simples e extraordinária.<BR/><BR/>Os dois humanos da canção-poema que nos é mostrada são um homem (George O'Brien) e uma mulher (Janet Gaynor), um casal de camponeses cuja felicidade vem ser ensombrada pela chegada ao campo de uma mulher da cidade (Margaret Livingston) com quem o homem vai ter uma paixão fortuita, enfeitiçado por esse desconhecido e essa modernidade tão estranha que ela traz.<BR/><BR/>É ela que propõe ao homem matar a mulher numa viagem de barco. Mas quando o tenta fazer, o homem como que acorda do encantamento e o remorso invade-lhe todo o ser. A esposa, cujo coração sabia a temível verdade, foge perante a sua confirmação. Ele segue-a, envergonhado e penitente. Desembocam na cidade louca que com um encanto ingénuo vão descobrir. O seu amor renasce. As peripécias da cidade, da ida ao barbeiro passando pela ida ao fotógrafo até ao memorável baile são adoráveis.<BR/><BR/>A explicitação do estado emocional das personagens é perfeita, com a expressividade corporal característica do cinema mudo mas também com grandes planos dos rostos de enorme beleza. Os efeitos visuais, nomeadamente os que representam os pensamentos pertubadores do homem, são de grande impacto se tivermos em conta que este filme é de 1927. Mas tal como nos é dito no prólogo, esta história pode acontecer em qualquer lugar ou tempo; "Aurora" emerge precisamente como uma obra intemporal, e a ausência de referências quer temporais quer de localização acentuam esse carácter.<BR/><BR/>As personagens também não têm nome e este facto engrossa a atmosfera de perfeição onírica que o filme exerce agora, como creio que tem exercido ao longo dos tempos. O par de actores principais está perfeito. George O'Brien como o homem emotivo - consumido primeiro pela paixão, depois pelas dúvidas, depois pela culpa e por fim pelo desespero - aliado a Janet Gaynor, a doce esposa que sofre sozinha e partilha os sorrisos (este papel foi um dos que lhe grangeou o primeiro Óscar para Melhor Actriz da História) estão simplesmente magistrais. A belíssima fotografia de Charles Rosher e Karl Struss ganhou também um prémio da Academia.<BR/><BR/>F. W. Murnau, realizador alemão aclamado sobretudo por "Nosferatu" estreou-se nos EUA com este filme. Nele são postos em evidência o melhor e o pior do mundo urbano contemporâneo em florescimento e é feita uma apologia ao amor mais puro e sincero de coração que existe em cada um. Por tudo isto e tanto mais impossível de traduzir em palavras, "Aurora" é uma obra clássica do Cinema, que todos deviam aproveitar para ver no cinema se puderem. Vale realmente a pena!
Continuar a ler