Amor e amizade
Fernando Oliveira
Whit Stillman realizou três filmes na década de 90: “Metropolitan” em 1990, “Barcelona” em 1994 e “The last days of Disco” em 1998. O fracasso comercial deste último manteve-o afastado das telas até 2011, quando realizou “Damsels in distress”. São visivelmente filmes fora de moda, retratos formalmente secos e distanciados (deixando fluir um sentir de tragédia resultado da futilidade, da inconsequência, dos seus movimentos narrativos sempre elegantes), de uma certa juventude, no fim desta ou no inicio da vida adulta, culta e rica, círculos fechados com rituais e poses rigorosos definidos; diálogos inteligentes por onde passam a descodificação dos jogos de sedução e do desejo; e a desmontagem do artifício e das regras da aparência social, quando a inocência e a ingenuidade dos sentimentos inesperados brotam naqueles grupos fechados. São, ainda assim, filmes essencialmente românticos, com uma gota de perversão pelo meio, comédias de costumes com memória cinematográfica: por lá pairam referências às comédias sofisticadas do Cinema clássico americano. E a música e a dança, sempre constantes, encenadas como já não se faz no Cinema americano actual, a “imagem” ou a “ideia” de Fred Astaire é recorrente. E todos os quatro filmes espelham na sua história uma época da vida do realizador. <br />É, assim, estranho vermos este “Amor e amizade” adaptar um romance póstumo de Jane Austen, que conta a história de Lady Susan Vernon, viúva e falida, que pretende que a filha aceite casar com um nobre rico, mas também um perfeito idiota, mas mais ainda procura um marido rico para ela, um jovem herdeiro de uma família nobre rural; intrigando com uma amiga americana tão amoral quanto ela; subvertendo com estes desejos a vida de todas as personagens da história; até porque a Lady quer continuar a apimentar a sua vida com um amante antigo. O filme conta assim o desenrolar do seu plano que não cede as quaisquer constrangimentos morais, e que ela vai alterando conforme as circunstâncias, regado com um humor que nasce de diálogos absolutamente inteligentes e exigentes. <br />Percebemos, assim, que o filme é o seguimento certo dos filmes anteriores do realizador. Porque continua a ser um olhar arguto sobre os códigos que regem os grupos sociais que vivem essencialmente das aparências. Porque subvertendo as normas do romantismo, este continua a ser um filme romântico através daquelas personagens que atravessam o filme acreditando, talvez ingenuamente, no poder do amor. Porque a Austen, Whitman, vai buscar a força das palavras; que já definia os seus outros filmes; li, não conheço o romance, que mudou a estrutura deste, transformando as muitas cartas lá descritas em diálogos entre os personagens, usando-os e os seus efeitos como o essencial da narrativa, cuja inteligência aclara um argumento cheio de subentendidos. Porque esta encenação constante da palavra salienta a representação dos personagens reforçada pelo forçado artifício cenográfico. <br />Com Kate Beckinsale (excelente) e Chloë Sevigny, que tinham protagonizado “The last days of Disco”, “Amor e amizade” é um filme muito inteligente e divertido, que traz à memória o Cinema de Lubistch. <br />(em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt")
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