OK, "a vida é um palco", mas...
Pedro Brás Marques
Há uns valentes anos, um amigo meu anunciou que tinha descoberto, ali para os lados do Furadouro, um prato novo: feijoada de marisco. “Então, que tal?”, perguntei. “Feijoada é óptimo, não é? Marisco também é muito bom, certo? Agora, os dois juntos não funcionam!”, rematou ele lapidarmente. Tudo isto para dizer que, por vezes, unir o melhor de dois mundos não acrescenta, antes retira ou estraga. <br /> <br />É precisamente isto que se passa com a última obra de Alain Resnais que mais não é do que teatro filmado, o que acontece de forma consciente e intencional. Os cenários são de cartão, as portas são panos pendurados, a iluminação é quase sempre vertical, os movimentos de câmara são escassos e os planos estáticos. O argumento, claro, foi concebido para o palco e isso nota-se. Mas Resnais quis jogar com as aparências, recordar-nos ironicamente a máxima de Shakespeare de que “a vida é um palco” no qual somos constantemente actores e que o relevante não são os cenários mas sim as palavras e as emoções que saem de cada personagem, isto é a sua essência. Por outras palavras, não deve o espectador perder-se com o trivial, mas antes concentrar-se no importante. Nesse aspecto, no de passar a mensagem que pretende, Resnais acerta em cheio. Mas há que perguntar: vale a pena? E a resposta só pode ser negativa. Isto por uma razão que está presente logo à partida: cinema e teatro são duas formas de expressão artística com linguagem e cânones próprios e que provocam diferentes pré-disposições e reacções nos espectadores. O que temos em “Amar, beber e cantar” não é cinema, nem é teatro. E isso reflecte-se de forma fatal na apreciação final. <br />O filme é baseado numa peça do dramaturgo inglês Alan Ayckbourn, sendo a terceira que Resnais filma - apenas conseguindo confirmar que a sua ideia não vinga. Faz-me recordar a ligação, mutatis mutandi, de Manoel d’Oliveira com Agustina… O argumento anda à volta de alguns casais que resolvem convidar um amigo comum, George Riley, para com eles participar numa peça de teatro. Ficam, então a saber que ele está doente, com pouco tempo de vida, o que despoleta uma série de recordações que vão partilhando entre si. <br />Tendo como referência o que disse no início, temos então uma peça de teatro dentro de outra, sendo que os únicos momentos cinematográficos com cenário real são as imagens de circulação automóvel em estrada para nos revelar que o local e os intérpretes da cena seguinte irão mudar… Escusado será dizer que assistir a um filme destes não é fácil, dada a monotonia do que nos é apresentado, muito embora seja algo estimulante tentar descobrir as pistas que Resnais nos vai dando sobre a sua interpretação daquela famosa tirada do Bardo sobre a relação entre a vida e a verdade…
Continuar a ler