Aqueles que não são indiferentes
Patrícia Mingacho
Uma sala de cinema, um lugar onde entro vezes sem conta, um lugar onde perco o meu olhar na vida dos outros, onde vou ao encontro de outros lugares, de outros tempos. O cinema, um espaço de questões e inquietações. <br />É impressionante como não são precisos mais do que 5 minutos para perceber que aquela história me vai levar com ela e eu transportá-la-ei no meu pensamento, na inquietude dos momentos presentes. Vi aquela história vezes sem conta, porque o lugar da História é feito de regimes autocráticos, de regimes onde a liberdade de pensamento é encarcerada em prol de valores “maiores”. Aquele filme, talvez pela sensação que há muitos lugares que se arriscam a repetir esta mesma história, arrancou-me do meu sossego. No caminhar daqueles alunos de uma escola na República Democrática Alemã, em 1956, senti que poderiam ser esses os meus passos, caso nascesse noutro tempo, noutro lugar e talvez seja essa a grandeza da arte: colocar-nos nos pés dos outros, levar-nos ao encontro das suas vivências. Estes regimes sobrevivem porque o medo, a mentira imperam na forma como os cidadãos vivem aquele espaço, habitam aquele tempo. Os carrascos que dividem para reinar, os fortes que, com palavras mansas, tentam iludir os mais fracos, aquelas palavras que tocam ao coração, aquelas efabulações que nos fazem acreditar que, sem eles, o mundo seria um lugar bem mais sombrio. As ideologias que são subvertidas, talvez porque o poder é um lugar para gente madura, é um lugar que tem que ser gradualmente conquistado. <br />Ao ver naquela tela a forma como se consegue atacar a fragilidade de sistemas como aquele, percebi que as ditaduras de hoje serão muito mais difíceis de atacar, já que os segredos serão mais difíceis de guardar. Nos dias de hoje, a ideia daqueles 2 minutos de silêncio em honra do povo húngaro que tinha morrido nas mãos dos russos teria sido impossível de ocultar. As tecnologias que são o cálice dos tempos modernos tornarão mais difíceis lugares de resistência. Nos tempos de hoje, não serão necessárias a PIDE, a Gestapo ou a Stasi para manter ditaduras: um telemóvel fará esse trabalho, o telemóvel será o melhor relator de situações subversivas. <br />Apesar de tudo, o filme tem também a capacidade de nos levar ao encontro do que melhor o ser humano tem: a capacidade de sonhar, a capacidade de fazer e ser diferente, a capacidade de resistir à mentira, a capacidade de preservar a amizade acima do conforto dos dias estão naquela tela e foram essas qualidades que levaram aqueles adolescentes a um novo lugar, levaram aqueles jovens a rumar a Ocidente, a um lugar, se não perfeito, melhor do que o regime que vingou e falhou a Leste.
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