A íntima crueldade
Rita Almeida (http://cinerama.blogs.sapo.pt/)
Após 16 anos de casamento, Bernard (Jeff Daniels) e Joan (Laura Linney) decidem separar-se. O seu casamento estava já esgotado, mas o fim é acelerado pela arrogância dele e pela infidelidade dela, ao mesmo tempo que o declínio da carreira literária de Bernard choca com o repentino sucesso de Joan. Entre outros, eles cometem o erro de estabelecer uma custódia conjunta, o que implica que os seus dois filhos Walt (Jesse Eisenberg), o adolescente, e Frank (Owen Cline), o mais novo, passem dias alternados com cada um dos pais. Walt e Frank tomam os seus partidos nesta disputa, e, cada um à sua maneira, expressa a sua revolta. O papel de “mau” é inicialmente feito por Bernard, ele é frio e amargo, mantendo-se arrogante perante a rejeição e dividindo o mundo entre intelectuais (que gostam de livros e filmes interessantes) e filisteus (que não).<BR/><BR/>Bernard é uma personagem da qual não se gosta totalmente nem se admira, mas Daniels é soberbo ao camuflar todo o seu sofrimento com uma maldade forjada. As falhas de Joan (mais uma boa prestação de Laura Linney) acabam por também vir à tona e a empatia pela falta de inteligência emocional que os caracteriza é inevitável.<BR/><BR/>“The Squid And The Whale” tem algo de auto-biográfico e isso nota-se. Noah Baumbach, co-argumentista de “The Life Aquatic With Steve Zissou” (2004), enche o filme de detalhes e diálogos impregnados de autenticidade, a crueldade (intencional e fortuita) de todas as personagens é demasiado íntima para não reflectir a feia verdade da vida familiar.<BR/><BR/>Além disso, Jeff Daniels usa roupa que pertenceu ao pai do realizador (o escritor Jonathan Baumbach; a mãe é Georgia Brown, crítica de cinema); muitos dos livros que aparecem nas estantes dos Berkman pertenciam aos pais de Baumbach, e este também foi um adolescente de Brooklyn no final da década de 80.<BR/><BR/>O título do filme refere-se a uma instalação no Museu de História Natural de Nova Iorque, onde uma lula luta com uma baleia, uma memória feliz da infância de Walt, e uma metáfora para a luta entre Bernard e Joan. Ou um piscar de olho aos documentários sobre a vida animal, afinal de contas também a natureza humana é digna de uma observação científica.<BR/><BR/>A fraqueza de “The Squid And The Whale” é o caminho melodramático que a angústia das personagens acaba por tomar sem que os seus problemas se resolvam. Apesar de momentos extremamente cómicos, “The Squid And The Whale” torna-se por vezes incómodo e perturbador, porque representa a queda das ilusões românticas (neste caso, dos "hippies" dos anos 60). O choque da realidade pode ser traumático em qualquer idade. Para Walt é perceber que o seu pai e a sua mãe, e por isso ele mesmo, são seres com falhas. Apenas humanos. Nota: 7/10.
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